Toda nudez ainda é castigada
A primeira vez que o vi na televisão, tive uma impressão positiva, apesar de seu jeito todo diferenciado de se dirigir ao público e de comentar os fatos, sobretudo os da cena política brasileira. Ele me fez lembrar o jeitão bronco do patrão do personagem Dino, da Família Dinossauro. Aquela voz firme e forte, olhar fixo na câmera, sobrancelhas ouriçadas, estatura e mãos enormes. Arnaldo Jabor enchia a tela da TV de todas as formas, precisamente com sua sensibilidade, inteligência, perspicácia, coragem, assertividade, precisão analítica e cirúrgica.
De alguma forma eu queria ser como ele ou parte do que ele fazia. Não me tornei um cineasta e nem tão pouco jornalista, mas levei para a minha jornada alguns aspectos da sua produção. Tornei-me um cronista e procuro dar aos meus textos um pouco de seu tempero, inclusive quando resolvo discutir sobre diversos assuntos. Como diria meu confrade Luiz Eduardo Costa, me reconheci polígrafo e, em grande medida, atribuo isso à influência que recebi de Jabor.
Não demorou pouco para saber que aquele homem talentoso que fazia participações impactantes nos principais telejornais da Rede Globo, também havia se tornado famoso por conta do cinema. E nesse particular, quero destacar dois de seus filmes que eu tive a oportunidade de ver: “Toda nudez será castigada” (1972/1973) e “Eu sei que vou te amar” (1986).
O primeiro, por incrível que pareça, eu assisti quando ainda na infância. Um escândalo? Para a época, sim. Mas, fui criado com maturidade suficiente para ver coisas para além de minha idade, sem que aquilo interferisse no meu processo de desenvolvimento psíquico. Produzido em 1972 e lançado no ano seguinte, casou reação na censura do Regime Militar. Mas logo, diante do sucesso de público e do reconhecimento internacional, após ser abolido das salas de cinema, voltou a ser exibido, com cortes.
“Toda nudez será castigada” é baseado na obra de outro polemista muito conhecido do público, o escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-1980). O filme expõe as vísceras da sociedade conservadora daquela época e coloca em jogo uma série de questões. Como disse o próprio Arnaldo Jabor em uma das entrevistas que concedeu a respeito da obra, trata-se de uma nudez que vai além do corpo e atinge também a essência humana.
“Eu sei que vou te amar” eu vi com 16 anos, na televisão. Uma produção e direção de Arnaldo Jabor em parceira com Hélio Ferraz, ao contrário de “Toda nudez será castigada” é um drama denso, com uma forte pegada psicanalítica, que gira em torno de um romance entre dois jovens, protagonizados por Fernanda Torres e Thales Pan Chacon. O filme também chamou a atenção do público internacional e foi indicado à Palma de Outro, com Fernanda Torres recebendo o prêmio de melhor atriz em Canes.
Carioca de nascimento, aos 12 dias de dezembro de 1941 morreu em São Paulo no dia 15 de fevereiro de 2022, em razão das complicações de um AVC, sofrido em dezembro do ano passado. Com 81 anos de idade, deixa três filhos: João Pedro, Carolina e Juliana, além de um filme inédito “Meu último desejo”, inspirado num conto de “O livro dos panegíricos”, de Rubem Fonseca.
Curiosamente, Jabor sai de cena na semana em que o Brasil celebra os 100 anos da Semana de Arte Moderna de 1922. Em certa medida, ele e sua obra são resultado direto daquela geração, que, de forma atemporal, segue revolucionando a cultura brasileira, apesar dos truculentos e preconceituosos de plantão, que ele desmascarou em suas inesquecíveis crônicas, que desnudam a alma nacional e mostram para o mundo a verdadeira identidade nacional: sem amarras ideológicas, sem firulas e sem frescura. Nua e crua ou crua e dura, como queiram.