Professora explica motivos de aumento nas matrículas EaD
Por Wilma Anjos
O Censo da Educação Superior, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), autarquia vinculada ao Ministério da Educação (MEC), revelou um dado inusitado: em 2020, primeiro ano da pandemia da Covid-19, houve mais matrículas de cursos superiores à distância que presenciais. Além da razão óbvia de respeitar as restrições sanitárias impostas pelo governo para conter o avanço da contaminação, a professora doutora Karen Sasaki, gerente acadêmica de Ensino a Distância (EaD) da Universidade Tiradentes (UNIT), explicou que essa tendência já vinha sendo monitorada há alguns anos. Segundo ela, a missão do EaD sempre foi oportunizar a todos que desejassem o acesso à educação superior, mas que, com a ajuda das tecnologias, entre outros fatores, atualmente esse nicho se ampliou de tal forma, que chegou ao patamar atual. De acordo com a pesquisa, de 3,7 milhões de estudantes que ingressaram em instituições públicas e privadas em 2020, 53,4% optaram pelo modelo EaD. Sasaki conversou com a equipe do Correio de Sergipe (CS) sobre esta inclinação dos estudantes. Confira:
Correio de Sergipe: Professora, de acordo com o último Censo da Educação Superior, houve aumento da adesão ao EAD em detrimento das metodologias ativas. Para começar, como funcionam as metodologias ativas?
Karen Sasaki: Garantir uma metodologia de ensino que valorize o protagonismo do aluno é uma forma de garantir a aprendizagem de forma ativa. São estratégias que promovem a aprendizagem utilizando cenários reais ou simulados que estimulem a resolução de problemas que estejam vinculados à sua prática profissional. Essas estratégias podem ocorrer de forma presencial, virtual ou híbrida, de forma síncrona ou assíncrona. A ativação é cognitiva e não exige movimentação em uma sala de aula física.
É necessário conhecimento técnico e capacidade inovadora para criação. Criar laços com os alunos, estabelecendo uma relação de confiança é um passo importante, uma vez que o professor que atua com a perspectiva da aprendizagem ativa, permite que o aluno fale mais do que ele próprio desenvolva atividades colaborativas e, sobretudo, coloque a “mão na massa”. O objetivo das metodologias ativas é permitir que o aluno interaja e aja sobre e com o conhecimento; que ele transforme o conteúdo teórico em competência através da análise, reflexão e criação.
Nós formamos profissionais para posições que ainda não existem e que serão ocupadas daqui a alguns anos e nos esforçamos para formar um profissional com hard e soft skills. Essa consciência exige sempre uma dose de inovação do professor, buscando aproximar os alunos do mundo do trabalho; esse que, sem dúvida, será cada vez mais digital.
Atuar com metodologias ativas é mudar o discurso com o aluno para sair do “estude, porque esse conteúdo vai cair na prova” por “estude, porque isso vai te ajudar no futuro, quando estiver atuando em sua profissão”. Quando isso se materializa, o aluno consegue estabelecer conexões entre o plano intelectual e a prática real. Enfim, a aprendizagem é significativa.
CS: Mesmo com a flexibilização das medidas restritivas sanitárias, a senhora acha que o mercado EaD continuará crescendo?
KS: Não podemos confundir ensino remoto que aconteceu durante a pandemia, com tempos determinados pela instituição (horários pré-estabelecidos) com o ensino a distância, que o próprio aluno possui autonomia para organizar sua rotina de estudos. Ambos são relevantes, mas são diferentes.
Seguindo as tendências apontadas pelo último Censo do INEP, há uma tendência de queda nas matrículas do ensino presencial, tanto no setor público quanto no privado, e um crescimento expressivo do EaD no setor privado.
O EaD mudou muito. As tecnologias estão cada vez mais personalizadas, intuitivas, responsivas e buscam atender diversos estilos de aprendizagem. Já foi o tempo que EaD era baixar arquivos e estudar sozinho. Hoje existe muita interatividade, recursos digitais inovadores e possibilidades de estudo desde computadores até celulares.
CS: A tendência de crescimento se confirmou nos últimos anos? Qual o panorama dessa modalidade de ensino?
KS: O Ensino a Distância vem crescendo no Brasil de forma animadora para profissionais de EaD. O último Censo da Educação revelou que os alunos do EaD representam mais de 60% de todas as matrículas do ensino superior brasileiro. E o que isso significa? Isso demonstra que o mercado de trabalho compreende, cada vez mais, que o egresso de curso EaD desenvolve competências fundamentais, como: responsabilidade, habilidade digital, solidariedade, pró-atividade, autonomia e várias outras.
A área de saúde foi a que mais cresceu no Brasil. Na UNIT, por exemplo, temos alguns cursos: Biomedicina, Educação Física, Estética e Cosmética, Nutrição, Gastronomia. Aí você pode se perguntar: e como são as práticas? Presenciais. As práticas são realizadas de forma presencial, em laboratórios especializados.
CS: O método EaD é de longa data e sempre focou em pessoas que vivem distantes dos polos educacionais. Creio que o público ampliou, não?
KS: O EaD surgiu com a missão de democratizar a educação superior, permitindo acesso de pessoas em regiões sem atendimento de instituições de ensino superior das redes pública ou privada. Há 10 anos esse público era de residentes em cidades do interior, com pessoas mais maduras. Atualmente, temos um público jovem, de todas as cidades e que já domina o uso de tecnologia.
CS: A senhora acredita que a modalidade é muito procurada porque dispensa locomoção ou porque dispõe de cursos com mensalidades mais acessíveis?
KS: Eu sempre digo que curso bom é curso que aprende. Não é o preço que indica se ele é bom ou ruim. O investimento para criação e manutenção de um curso EaD é muito alto. Inclusive, por isso, as instituições são separadas entre as que investem nas melhores soluções e quem faz o mínimo para garantir o preço baixo. O alto investimento é necessário para garantir acesso a muitos alunos simultaneamente. Ou seja, para que o preço seja acessível, é necessário que vários alunos estudem juntos, de diferentes locais. Muitos alunos estudando é o que faz diferença no preço final. Por isso, repito: curso bom é aquele que você aprende. Olhe para o preço apenas como uma chave que abre um portal de oportunidades para o futuro.
Um curso EaD é muito mais que um diploma. Acreditamos que através da EaD podemos alcançar alunos fora dos centros urbanos, gerar oportunidades de ensino, que aumentam oportunidades de desenvolvimento socioeconômico e mobilidade social.
CS: A título de esclarecimento, de quanto seria a diferença de valor de um mesmo curso na modalidade EaD e na presencial?
KS: Existem diferentes metodologias de ensino para classificar um curso como EaD. Isso varia de acordo com o nível de presencialidade estabelecida pelo modelo pedagógico. Na UNIT temos 3 modelos que convivem e atendem diferentes públicos. Temos o curso online, que o aluno vai ao polo apenas para realizar provas. O curso semipresencial, no qual o aluno vai uma vez por semana ao polo para realização de atividades avaliativas e colaborativas e temos os cursos híbridos, nos quais os alunos podem frequentar até três dias da semana. Em todos eles utilizamos os mesmos conteúdos didáticos, corpo docente e tecnologias educacionais.
Esse volume de presencialidade influencia no valor final do curso, podendo reduzir muito. Existem cursos EaD com preços que iniciam em R$ 188,71.
CS: Qual o perfil desses alunos na rede privada? Eles contam com algum tipo de bolsa ou financiamento?
KS: Para os alunos do EaD existe o Prouni (bolsas 50% e 100%) e financiamentos privados. Não existe FIES [Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior, um programa do Ministério da Educação].
CS: Já que estamos traçando o perfil desse aluno, existe algum curso mais procurado no EaD?
KS: Os cursos que mais cresceram no Brasil, em número de matrículas, foram os da área de saúde.
CS: Em algum momento na história do ensino superior, na rede privada, o número de ingressantes em cursos de EaD ultrapassou a quantidade de estudantes que iniciaram a graduação presencial?
KS: A rede privada historicamente teve uma representação importante no volume de vagas no ensino superior. Mas em 2020 os dados apontaram que além da rede privada manter o volume de matrículas, a modalidade EaD teve um crescimento maior atingindo mais matrículas do que a modalidade presencial. Esses indicadores demonstram a maturidade dos modelos pedagógicos de cursos EaD, investimentos realizados, mas também refletem uma realidade socioeconômica de desaceleração.
Cs: O aluno de EaD fica em desvantagem, de alguma maneira, da educação presencial?
KS: O aluno, independentemente do valor da mensalidade que paga, deseja personalização, velocidade e clareza de atendimento; é rigoroso em relação aos professores e conteúdos didáticos; quer ter disponibilidade de acesso à instituição em diferentes canais; e, tudo isso, evidencia para as instituições o quanto é relevante a construção de um relacionamento para criar sua identidade institucional.