Peixe asiático começa a ser cultivado no Baixo São Francisco

Da redação, Joângelo Custódio
O peixe panga, um tipo de bagre oriundo do Vietnã, começa a ser cultivado – ainda de forma acanhada e experimental –, na região do Baixo São Francisco, mais precisamente no município de Propriá, distante 107 km de Aracaju. A espécie asiática, da família pangassius, antes proibida, foi regulamentada recentemente pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente (Cema).
Esta notícia deixou os piscicultores locais esperançosos com relação ao futuro da produção de peixe na região, que passa por uma crise de identidade em meio à criação do tambaqui e da tilápia, espécies que estiveram fartamente na mesa dos sergipanos ao longo da última década, mas hoje não dão retorno financeiro a quem os cultiva.
Normas de controle
De acordo com o Cema, a criação do peixe ocorrerá somente em tanques escavados, devendo cumprir as normas de controle e cultivo previstas na resolução. Além de Sergipe, os estados de São Paulo e Rio Grande do Norte também autorizaram a entrada da espécie vietnamita para produção em larga escala, com o objetivo de diminuir as importações e fornecer às empresas uma nova marca, o Panga BR, e abastecer o mercado nacional, hoje reprimido.
Clima favorável
O panga tem grande potencial para criação em Sergipe, principalmente em virtude do clima quente. O objetivo, segundo os piscicultores, a partir da autorização do Governo, é iniciar a cadeia produtiva o quanto antes e, posteriormente, resgatar a pujança pesqueira do Baixo São Francisco.
Atualmente, Sergipe produz, por ano, entre 2500 a 3000 toneladas (t) de peixe. A região do Baixo São Francisco, com ênfase em Propriá, produz 1500 t. Assim que começar a produção do panga, anualmente serão produzidos 600 mil t, uma discrepância que já deixa piscicultor de sorriso largo.
“O mais importante nessa questão é o mercado. Não adianta produzir tanto tambaqui e não ter a quem vender, como acontece hoje. Com o panga, a venda é garantida e nós vamos utilizar uma usina de processamento, que hoje só processa camarão. Vamos produzir e melhorar a qualidade de vida do povo. Queremos tornar essa regulamentação pública. Vamos transformar essa região”, destaca Heldes Guimarães silva, técnico em agropecuária e vereador por Propriá.
José Bonifácio é proprietário da Aquicultura Santa Clara, situada em Propriá. Segundo ele, a partir da constatação de que o peixe tambaqui não tem um mercado atraente, passou a pensar numa outra alternativa. “Comecei a estudar o panga. Fomos buscar os meios legais para trabalhar com segurança jurídica. Hoje, graças a Deus, a regulamentação já aconteceu. Agora, nós vamos trabalhar no sentido de reativar uma cooperativa que já está oficializada, fazer uma grade junto às empresas comercializadoras para que todo panga que for produzido aqui, seja diretamente direcionado para o mercado nacional. Esse é o nosso objetivo. Queremos instituir, junto aos produtores de São Paulo e Rio Grande do Norte, o Panga BR, uma marca única”, vislumbra.
Mercado consolidado
De acordo com Bonifácio, o mercado do panga no Brasil está consolidado. “Em 2014, o Brasil importou 64 mil toneladas. Veja o quanto de riqueza deixamos de produzir aqui e o quanto de dinheiro enviamos aos nossos amigos no Vietnã. Nesse mesmo ano, os Estados Unidos gastaram 1,6 bilhão de dólares com importação de panga, comercializado também em outros 140 países. É um peixe que tem um mercado consolidado no mundo. Numa reunião realizada no Rio Grande do Norte, o Grupo Pão de Açúcar pediu que fossem reservadas a eles, da produção daquele estado, 190 t de panga por semana. É o pedido de uma só empresa. É um produto fácil de manejo, fácil de trabalhar, de processar, é um produto que vai alavancar a piscicultura no Brasil e no Baixo São Francisco. Não é uma aventura”.
O empresário diz ainda que o panga pode chegar, na natureza, a 30 quilos. Mas o tamanho de comercialização chega a 2,5kg em até oito meses de cultivo. “O tambaqui, para chegar a 2 quilos, precisa de 10 a 11 meses, quase um ano. Outro diferencial do panga é que ele tem respiração aérea alternativa, então, ele jamais vai ter problema de oxigênio, porque vem na superfície e respira. É um peixe de excelente adaptabilidade. Em nove meses de cultivo, conseguimos 20 toneladas por hectare e sem a aeração e sem a renovação de água, só repondo a que evaporar. É, sem sombra de dúvidas, um grande peixe para qualquer produtor criar. Com essa resolução, o panga estará para a nossa região como a manga e a uva estão para Petrolina e Juazeiro. A redenção do Baixo São Francisco é isso aqui”, conclui.
Opinião semelhante tem o coordenador da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), Jorge Pessoa. Ele disse que, como a produção do tambaqui está apresentando problemas, o panga pode dar sobrevida ao comércio local. “Há boa produção, mas há baixa comercialização. O preço da ração subiu e o preço do pescado baixou. Hoje, o produtor está reclamando que tem muito peixe em estoque e não tem canal de comercialização. Com relação ao panga, é uma espécie exótica e o governo já autorizou o seu cultivo. Espero que seja uma saída para melhorar não somente a monocultura do tambaqui”.
É perigoso?
O Panga é cultivado há mais de um milênio no rio Mekong, no Vietnã. E há um mito que anda sendo espalhado pela internet de que ele pode causar sérios problemas de saúde ao ser ingerido pelo ser humano. Pesquisas realizadas fora do Brasil detectaram grandes níveis de bactérias, vermes e venenos no panga, conhecido também como “peixe-gato”.
Parece que o risco oferecido pelo panga para a saúde humana seja gerado porque o peixe possui hábitos não muito convencionais. Ele costuma comer qualquer coisa que lhe aparece, como lodo, restos orgânicos, cadáveres de animais etc. Pescadores dizem que o peixe panga costuma procurar o alimento revolvendo o fundo do rio em busca de qualquer coisa que seja possível ser transformada em nutrientes.
Mas cultivado em tanques, os pangas podem não ter hábitos necrófagos, alimentando-se apenas com ração.