“Jamais devemos ficar dentro de um carro distraído”, diz delegado

Por Cláudia Lemos
O roubo de veículos na Grande Aracaju é o tema central da entrevista da semana com o delegado Kássio Viana, titular da Delegacia Especial de Roubo e Furto de Veículos (DRFV). Ele esclarece os modelos mais visados pelos criminosos, locais de maior incidência deste tipo de crime, horário de maior risco e como é o trabalho da polícia na prevenção, elucidação dos crimes e recuperação dos veículos roubados. O delegado diz que o ano começou com redução no roubo e furto de veículos na Grande Aracaju. Também fala sobre como o cidadão deve se comportar caso se torne vítima de assaltantes e o que fazer após uma situação destas. Kássio, que já presidiu a Academia dos Delegados da Polícia Civil de Sergipe (Adepol), comenta um vídeo dele que repercutiu nas redes sociais sobre a vacinação das forças policiais. Também fala sobre como a chamada “Lei anticrime” mexeu com a atividade policial. Confira a seguir:
Correio de Sergipe – A pandemia fez diminuir ou crescer os casos de roubos e furtos de veículos em Sergipe?
Kássio Viana – Os números revelam que a pandemia não tem causado nenhum impacto na redução dos crimes, porque no primeiro semestre de 2020 nós tivemos 68% de todos os roubos e furtos ocorridos durante um ano. No segundo semestre, 32% dos roubos. Então se fosse verdade que a pandemia e o isolamento social influenciaram na redução de roubos e furtos de veículos o primeiro semestre seria mais tranquilo do que o segundo. E não foi isso o que aconteceu.
CS – Num comparativo com os últimos cinco anos, o roubo de carros em Sergipe tem se comportado como? Quanto veículos foram roubados ou furtados a cada ano desde 2015?
KV – Os dados são muitos imprecisos. Foram tirados do sistema e não tenho como passar esses números ano a ano de forma exata. posso adiantar que a gente vem com redução desde 2017, 2018 para cá, ano a ano com mais redução.
CS – Quais os modelos de veículos mais roubados ou furtados? Há como ranquear?
KV – Os ladrões escolhem os veículos mais vendidos, por isso, toda vez que você quiser saber os carros mais roubados são justamente os mais vendidos. Primeiro, porque é a maior quantidade desses carros na rua, então proporcionalmente são os mais roubados. Então é o HB 20, o Onix, o Gol, Fiesta, Siena. São os mais roubados.
CS – Na capital, quais as localidades que mais tem registrado roubo ou furto de veículos?
KV – A região com mais roubo e muitas ocorrências é a Grande Aracaju, onde atuamos, mas muitos roubos ocorrem no Marcos Freire, em Nossa Senhora do Socorro, área da Taiçoca, Avenida Lauro Porto. Em Aracaju, muito roubo nos bairros Jabotiana, Atalaia, Siqueira Campos, Luzia. Basicamente essas são algumas das áreas. Ainda na capital tem o Porto Dantas e Santos Dumont.
CS– Em relação ao trabalho investigativo, como tem sido o trabalho realizado pela Delegacia Especial de Combate ao Roubo e Furto de Veículos (DRFV)?
KV – A delegacia funciona com três delegados e 18 policiais civis, divididos entre pessoal de custódia, vistoria, boletim de ocorrências, investigação e cartório. Atuamos todos os dias de segunda a sexta, das 7h às 18h, e tem uma equipe noturna que trabalha no horário até meia-noite e tem feito um trabalho fantástico, pois é quando ocorre a maior quantidade de roubos e furtos. Como essa equipe funciona? Ela circula pela cidade em contato com o Ciosp e Delegacia Plantonista. Assim, quando toma conhecimento de um roubo ou furto, vai até o local, pega imagem das câmeras, levanta informações para investigar os possíveis autores. Se descobrirem os autores já vai ao encalço deles, atende as vítimas, oferece suporte. É como se fosse uma equipe de local de crime e roubo de veículos que oferece assistência à vítima e tenta prender o criminoso. Já fizemos vários flagrantes, inclusive em um deles, conseguimos resgatar um motorista de Uber que tinha sido sequestrado e estava em um cativeiro no Marcos Freire. Então, nosso trabalho foca no roubo, furto de veículos e adulteração também. Contamos com o apoio de toda a Polícia Civil, Polícia Rodoviária Federal e Polícia Militar. Parceria forte com o pessoal do sistema prisional que passa muita informação, a Dipol nos ajuda com inteligência, Setor de Criminalística e Identificação de Veículos e papiloscopia também. É um trabalho em conjunto. Nós recebemos informações de roubo e buscamos informações sobre os possíveis autores, assim que conseguimos os primeiros dados. Se for o caso, pedimos as prisões e realizamos as mesmas e recuperamos alguns bens, conseguimos outras provas sobre os roubos. É basicamente essa nossa rotina. Nosso foco é roubo e furto, mas temos focado muito também na receptação de veículos. No ano passado nós prendemos uma quadrilha sergipana com membros na Bahia, que roubava veículos aqui em Sergipe, faziam adulteração com carros da Bahia, vendia aqui e o adulterador vinha a Sergipe com documentos, placas e fazia a troca dos elementos identificadores do carro, como motor, vidro e chassi.
CS – Você vê grandes quadrilhas especializadas no roubo de veículos agindo em Sergipe ou são ações praticadas isoladamente por bandidos comuns?
KV – Tem alguns ladrões que trabalham por conta própria, na verdade, eles roubam carro para cometer outros crimes. Mas ligado ao roubo de veículos, nós temos aqui tanto o pessoal do desmanche quanto o pessoal que faz a clonagem do carro e adulteração. Tem os compradores que os ladrões têm o contato, que compram esses veículos que têm dois destinos: ou o carro é desmanchado para vender as peças em Aracaju e fora do Estado ou o veículo é transformado em outro carro com características de outro Estado. Isso se chama de clonagem. Eles pegam por exemplo, um carro aqui, um Gol, pegam as características, placas e chassi de outro Gol da Bahia, por exemplo, e transformam em dois. Transformam um Gol com as mesmas características e documentação do Estado da Bahia.
CS – Pelas prisões já realizadas no Estado os veículos roubados em Sergipe são para revenda ou desmanche?
KV – Tem muito carro direcionado para o desmanche, mas a maioria hoje é pra clonagem e venda posterior. Muitos cliqueiros roubam carros, conseguem um documento igual com placa da Bahia e transformam todas as numerações do carro com pessoas especializadas nisso. O maior adulterador desse crime é da Bahia e foi preso em outubro, mas tem outros ainda agindo aqui em Sergipe.
CS – Dá para prevenir este tipo de crime. Digo, o motorista pode fazer algo para evitar ou ao menos dificultar a ação dos puxadores de carro, tipo instalar alarme, evitar estacionar em local ermo?
KV – A maioria das pessoas roubadas em Sergipe estão paradas, distraídas, os bandidos chegam e cometem o crime. Jamais se deve ficar dentro de um carro distraído em um local de pouca movimentação e iluminação pública. Em relação as motos acontece também isso, mas é mais difícil. O que ocorre com as motos são em locais ermos quando os condutores diminuem a velocidade para passar num quebra-molas, curva ou sinaleira. É quando os elementos aparecem em outra moto e realizam o roubo. Então essa situação é mais difícil de se prevenir. O que diria para quem anda de moto? Evitar local ermo a noite e evitar local de pouca circulação de pessoas. Em relação aos carros, tomar muito cuidado quando chegar em casa, prestar atenção nos veículos que estão próximos a residência, não ficar parado no meio da rua. São medidas que podem diminuir os riscos.
CS – Qual a primeira atitude a adotar no caso de ter um carro roubado ou furtado?
KV – O importante é ter seguro de carro e de preferencia, seguro e rastreador. Se não tiver seguro, coloque pelo menos um rastreador que vai ajudar muito, caso seja roubado, para o veículo ser rastreado e encontrado. Assim que o carro for roubado, ligue imediatamente 190, que o Ciosp vai abrir alerta de segurança para todas as equipes que estão na rua. Isso facilita muito na recuperação do veículo.
CS – A pandemia afetou o trabalho dos agentes da DRFV? Se sim, de que forma?
KV – Na Delegacia de Roubos e Furtos de Veículos, metade dos servidores praticamente pegou Covid-19, mas felizmente, ninguém morreu nem passou por situação de saúde grave. Não paramos de trabalhar um dia sequer. Fizemos o trabalho da melhor forma possível. Foi um ano muito produtivo, apesar do Covid-19 e nossas limitações.
CS – Na semana passada o senhor gravou um vídeo em tom de desabafo e indignação quanto a possibilidade de presidiários serem vacinados antes dos agentes das forças policiais. Exatamente que mensagem o senhor queria passar e como o senhor recebeu a grande repercussão do vídeo?
KV – Aquilo foi um desabafo que fiz quando li uma matéria de um jornalista, que não me lembro o nome dele agora, que tratou a questão de prioridade de vacinação, onde vinha primeiro as pessoas em privação de liberdade e depois é que vinha a polícia. Achei isso uma imensa inversão de valores. Pessoas em conflito com a lei não podem ser priorizadas em relação a ninguém, muito menos a quem as combate. É um absurdo você imaginar que um preso se vacine primeiro que a polícia, ou seja, quem faz o serviço de proteger a população não pode ser protegido depois de quem ataca. Foi esse o meu desabafo. Mas depois fiquei sabendo que existe na verdade grupos de prioridade. Nós estamos no mesmo grupo dos presidiários, o que acho também um absurdo. Não quer dizer que serão vacinados primeiro que a polícia. Acredito que não, para mim é um absurdo maior ainda. Na verdade acredito que os presos deveriam ser vacinados por último porque estão em conflito com a lei, não respeita a sociedade e as leis devem ser protegidas, e vacinados por último primeiro quem produz, que respeita a legislação e não faz mal a ninguém, depois elas. Recebi ligações de pessoas de outros Estados, mas minha intenção não era essa. Era só um desabafo para grupos de amigos e colegas que acabou sendo compartilhado quando cheguei a receber muitas mensagens positivas, nesse sentido. A população brasileira não aceita isso. Não vi ninguém comentar nem mandar mensagens pra mim discordando e achando que presos deveriam ser vacinados primeiro que os policiais. Eu acho que não só primeiro que os policiais, eles não deveriam ser vacinados primeiro que ninguém. A população que trabalha e respeita a lei, depois quem não respeita a lei. Outra coisa, quando a pandemia determinou o fechamento de tudo, órgãos públicos e vários setores ficaram trabalhando em home oficie, a polícia foi considerada serviço essencial juntamente com a saúde pública, então acho que a polícia deveria ser vacinada juntamenrte com a saúde, porque também não paramos, ficamos expostos no dia a dia.
CS – Como a Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, que ficou conhecida como “pacote anticrime”, afetou as atividades policiais?
KV – Essa lei anticrime deveria se chamar pró-crime, porque estabelece muito mais vantagens para os criminosos nos processos do que desvantagens. Em relação a polícia, ela criou uma regulamentação pelo CNJ de que tudo preso tem que ser apresentado ao juiz logo após sua prisão. Qual o objetivo disso? É para que o juiz, defensor público tenha conhecimento imediato de como foi essa prisão, se teve ilegalidade, porque infelizmente as pessoas partem da ideia que a polícia faz as coisas erradas, que não respeita a legalidade, que cometeu abuso de autoridade. Hoje tem que apresentar não só nos casos de flagrante delito. Agora todo preso inclusive o condenado em prisão definitiva se cumprir o mandado de prisão tem que apresentar ele no outro dia ao juiz para perguntar a ele se sofreu algum abuso. A premissa é que a polícia vai abusar e por isso é preciso um controle em cada prisão. Isso aqui toma nosso tempo. É um fato. Imagina, passo o dia para prender uma pessoa e preso, tenho que esperar passar um dia para o juiz marcar uma hora para levar esse preso. Então perco dois dias do meu trabalho com uma situação quando poderia estar em outras investigações e podendo prender outros criminosos. Quem sofre com isso é a população que fica desprotegida. Lembrando que nem os juízes, acho que concordam com isso.
CS – Quem mensagem o senhor deixa para a sociedade?
KV – O que tenho pra falar com a sociedade é que a Polícia Civil tem trabalhado ao máximo possível pra evitar o máximo de crimes. Temos dado bons resultados com o que realizamos com toda segurança publica, forças de segurança, trabalho de forma integrada. É a população que tem nos ajudado muito através do disque denúncia 181 passando informações sobre eventuais criminosos e até de fatos relacionados a roubo e furto. Quando um marginal chega na sua área com um carro as pessoas percebem que é incompatível com o que faz. Sabe que pode estar envolvido com o crime, sabe da movimentação estranha. E isso é importante quando a população ajuda a polícia. É como se a polícia tivesse agentes também infiltrados no meio da sociedade, fazendo o trabalho voluntário, ajudando a polícia.
Frase
“A polícia deveria ser vacinada juntamente com a Saúde, porque também não parou, ficamos expostos no dia a dia”