“Festa de fim de ano é o que chamamos de tempestade perfeita’

Por Cláudia Lemos
Na entrevista especial da semana, o professor de imunologia da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Lysandro Borges, fala sobre como tem sido o importante trabalho da UFS durante a pandemia, as projeções negativas para janeiro e insiste na importância do uso de máscara, álcool gel e distanciamento social. Lysandro, que também é farmacêutico, doutor em Bioquímica Toxicológica, especialista em Análises Clínicas e coordena o mapeamento da circulação do novo coronavírus em pessoas que não apresentam sintomas relativos à doença, diz, entre outras coisas, que devemos manter as crianças isoladas e que o nosso isolamento social e a adoção das medidas de segurança, podem reverter a projeção de aumento de casos. Ele faz um alerta: “festas de fim de ano são o que chamamos de tempestade perfeita. As eleições já foram um grande gatilho para o aumento no número de casos e as festas de fim de ano, infelizmente, também”. Lysandro defende a vacinação como única saída para o momento e reforça que atitudes individuais podem salvar o coletivo. Confira a entrevista a seguir:
Correio de Sergipe – Normalmente associa-se às universidades apenas as graduações, porém sabemos que, de fato, o papel envolve pesquisa, extensão e uma inserção social e comunitária extremamente relevantes. A pandemia mostrou isso. O senhor pode destacar qual está sendo o trabalho desenvolvido pela UFS neste momento de pandemia e a importância destas ações?
Lysandro Borges – A UFS conseguiu demonstrar nesse momento de pandemia que pode ser útil perante a sociedade sergipana. Existiam alguns grupos com a ideia de fabricação dos helmets, aqueles que são utilizados em UTI, os anteparos, e aí foi feita uma força tarefa com a união desses grupos. Com a utilização das máquinas impressoras 3D foi feito um molde só e vários helmets foram produzidos e doados ao HUSE e ao Hospital Universitário, mostrando que a União faz a força. Posteriormente a isso, o Departamento de Farmácia, juntamente com o Departamento de Química se mobilizaram na fabricação de álcool em gel e álcool 70, um insumo que era muito escasso na época em que começou a pandemia, visto que acabou rapidamente no comércio, e a Universidade teve um papel relevante em relação ao fabrico desses produtos, que auxiliam no combate ao novo coronavírus. Em contrapartida, a partir de um humilde projeto de extensão submetido por nós para auxiliarmos na testagem em massa, surgiu então a Força Tarefa Covid-19, coordenada por nós, aonde recebemos uma verba do Ministério Público Federal do Trabalho no montante de 1 milhão e 800 mil reais para a compra de testes sorológicos e testes antigênicos para ajudar no combate ao novo coronavírus e a partir daí o governo do estado de Sergipe, por meio da Secretaria de Estado de Saúde também nos doo kits para que pudéssemos seguir desde abril com mais de 20 mil testes realizados. Então fizemos o primeiro ensaio epidemiológico de soro prevalência do Estado de Sergipe, fomos pioneiros nisso. Estivemos nos 10 municípios mais populosos, testando em feiras livres, um modelo elogiado pela OMS (Organização Mundial de Saúde) e conseguimos mapear, em Sergipe, qual era a soro prevalência do novo coronavírus daquela época. Posteriormente a isso, desenvolvemos trabalhos de testagem nos presídios, em profissionais de saúde e de atividades essenciais como em garis, comunidades quilombolas e em instituições como a Fundação Renascer. Continuando nosso trabalho agora, no mapeamento da comunidade escolar: Professores, alunos e gestores. Nosso trabalho não acaba enquanto não houver a vacina. Estamos também dispostos, com a nossa equipe, a auxiliar no processo de vacinação.
CS Quantos testes a UFS realizou e qual a taxa de positividade?
LB – A Força Tarefa covid-19 já realizou 20 mil testes sorológicos e atualmente a taxa de positividade oscila em torno de 40% nos testes IGM positivos (IGM reagente), enquanto que a taxa de IGG, que é o anticorpo de memória, oscila em torno de 25%. Já fizemos também os antígenos, que detectam as nucleoproteínas do Sars-CoV, um auxiliar no diagnóstico rápido em 30 minutos por swab da nasofaringe, para a detecção precoce, no paciente sintomático de nucleoproteínas do novo coronavírus, auxiliando também no diagnóstico rápido, já que atualmente o PCR tem demorado bastante seu diagnóstico. Então mais uma vez entra a universidade mostrando que pode auxiliar com novas tecnologias, para a qualidade de vida da população sergipana.
CS – Uma pessoa que realiza o teste e esse dá negativo, pode ficar tranquila, ou há a possibilidade de um falso negativo?
LB – Todo teste tem o que chamamos de sensibilidade, que avalia o quanto esse teste tem a capacidade de detectar os pacientes reagentes. Nesse caso o teste que nós trabalhamos tem 97% de sensibilidade, ou seja, 3% dos pacientes podem dar falso negativo, por exemplo. Nenhum teste é livre de falso positivo ou falso negativo. Quanto mais específico o teste, menos falso positivo. Quanto mais sensível o teste, maior a chance de falsos positivos. Mas, com a experiência da Força Tarefa Covid-19, nós conseguimos fazer o teste sorológico e complementar com outros testes mais refinados, como o antígeno, e agora, em parceria com Lacen (Laboratório Central de Análise Clínica de Sergipe), que está doando os testes de PCR, também confirmatório com o RTPCR, dando mais segurança para o diagnóstico realizado pela nossa equipe.
CS – O senhor, que é farmacêutico, professor de imunologia da UFS, doutor em Bioquímica Toxicológica e especialista em Análises Clínicas, coordena o mapeamento da circulação do novo coronavírus em pessoas que não apresentam sintomas relativos à doença, trabalho esse que conta com a parceria de várias universidades brasileiras. Qual o cenário atual em Sergipe e qual a projeção para os próximos meses?
L.B. – O cenário atual para Sergipe mostra uma tendência a elevação do número de casos. Essa tendência ela não é seguida em primeiro momento com elevação no número de óbitos. Mas, todo cuidado é pouco em relação a um vírus que já tem discrição de mutação na literatura, portanto, não sabemos se a cepa que mutou já está em contato com o brasileiro e pode levar a um agravamento maior do seu quadro clínico. É importante lembrar que o cenário pode ser revertido se as pessoas continuarem aderindo ao uso da máscara, ao distanciamento social e ao uso do álcool gel, coisas que não temos observado nos últimos tempos. Estamos observando uma não adesão, principalmente da máscara e do distanciamento, o que pode levar a um agravamento da situação no nosso estado, conforme as nossas projeções realizadas no último mês. O que refirma esses dados é o RT, ou a taxa de reprodução do vírus, ou índice de infectividade do vírus. Quando ele está acima de 1, indica que o vírus está com uma alta taxa de circulação. Quando está abaixo de 1, uma baixa taxa. E o estado de Sergipe já chegou a taxa de 1.86, o que significa que cada 100 pessoas contaminadas, estas podem contaminar outras 186 pessoas.
CS – Em outubro o número de novos casos começou a dar sinais de queda em Sergipe. Agora, pouco tempo depois, os números voltaram a ser alarmantes. O que o senhor acha que aconteceu?
L. B. – Ficamos por semanas em estabilidade no número de casos e óbitos, em outubro. E com as eleições e com as medidas de flexibilização, infelizmente houve então um aumento no número de casos, principalmente nos mais jovens, que menosprezam, infelizmente, o uso da máscara, que é fundamental para a contenção do espalhamento do vírus. Então, com certeza o período eleitoral foi um grande gatilho para o Brasil e para Sergipe no alastramento maior do vírus no nosso estado e no Brasil.
CS – O senhor vê as festas de final de ano impactando no aumento no número de casos da covid. O que o senhor recomenda nesse momento?
LB – Festas de fim de ano são o que chamamos de tempestade perfeita. As eleições já foram um grande gatilho para o aumento no número de casos e as festas de fim de ano, infelizmente, onde as pessoas se aglomeram com os familiares, em reuniões com mais de 10 pessoas e isso já é bem descrito na literatura, que reuniões com mais de 10 pessoas, podem aumentar ainda mais a disseminação do novo coronavírus, sendo que a nossa taxa de reprodução está alta, portanto uma pessoa contaminada nesse ambiente familiar até duas pessoas.
CS – Pelas ruas sempre encontramos pessoas sem máscara. Basta uma volta pela orla para ter ideia do quanto esse acessório tem sido deixado de lado. Qual a importância da máscara e quais as consequências pelo não uso dela? Como se prevenir e contribuir para o combate a disseminação do novo coronavírus?
Lysandro – A máscara é fundamental. Mesmo uma simples máscara de pano. Se duas pessoas estiverem utilizando e uma estiver contaminada, pode haver uma redução de até 48% na contaminação entre essas pessoas. Agora o não uso da máscara aumenta em 83% a taxa de infecção se duas pessoas estiverem em contato e uma delas estiver contaminada. Portanto a máscara, mesmo a pessoa contaminada, ela reduz a disseminação do vírus. No caso a pessoa contaminada usando a máscara, ela pode até contaminar outra, mas a carga viral expelida na tosse ou no espirro, será muito menor e a pessoa poderá agravar bem menos. Uso da máscara o tempo todo. Evitar aglomerações. O uso do álcool gel e praticar o distanciamento social até que a vacina esteja disponível para a grande maioria da população sergipana
CS – Todos enfrentamos um ano de privações. Longe da família, muitos trancados em casa. Shoppings e parques frechados, praias com uso proibido. Aos poucos foram havendo as liberações e esperava-se uma atitude consciente da população. Porém isso não vem acontecendo. Agora chegamos ao final do ano, período de recesso e férias, em que as pessoas costumam sair mais de casa ou até mesmo viajar, ou seja, as aglomerações tendem a piorar. Como o senhor vê essa situação?
Lysandro –.Com certeza. As pessoas estão cansadas do vírus, mas o vírus ainda não cansou da gente, não cansou do mundo. Portanto, devemos segurar um pouquinho mais a angustia em relação a pandemia e entendermos que quando nos protegemos, nos distanciamos usando a máscara, estamos protegendo aqueles mais suscetíveis: o idoso, aqueles com uma doença crônica. Ou seja, fazendo a minha parte eu acabo protegendo o todo.
CS – Quem mora em condomínio sabe que é difícil conter a criançada. Estavam acostumadas a piscina, quadra, parquinho, áreas de lazer. Mesmo com esses espaços fechados, muitas se aglomeraram e o pior, sem máscara. Quais os riscos deste comportamento. Como devemos proceder com as crianças nesse momento?
Lysandro – No caso das crianças, normalmente, 90% delas quando entram em contato com o Sars-CoV 2 elas ficam assintomáticas e aí que é o grande problema, porque uma criança transmite para a outra e essa pode contaminar alguém do fator de risco, podendo levar essa pessoa a necessitar de uma internação hospitalar e de um leito de UTI. Portanto, há uma necessidade de que os pais consigam segurar as crianças o máximo possível, de ambiente onde há o contato com outras crianças. Sabemos que há uma grande dificuldade, até na população adulta, imagine num ambiente, num condomínio onde as crianças se conhecem e tem amizade umas pelas outras, então é realmente um grande desafio nessa pandemia, conseguir conter crianças que as vezes não tem um entendimento da gravidade da doença.
CS – Há muita polêmica em torno tanto da eficácia das vacinas contra o novo coronavírus, como quanto a se vacinar ou não. No Brasil ainda não há vacina aprovada pela Anvisa e não se sabe ao certo quando a vacinação vai começar. Porque devemos confiar na vacina que venha a ser aprovada? A vacinação seria a única saída nesse momento?
Lysaldo – A vacinação é a única saída nesse momento. Existem quatro vacinas viáveis para serem implementadas no Brasil e a Anvisa sempre foi um órgão respeitado, a vacina que ela liberar, com certeza terá segurança e garantirá eficácia ao povo brasileiro. Não devemos levar em conta o local de fabricação da vacina, e sim se ela é segura, efetiva, e se ela tem o mínimo de efeitos colaterais. Essa sim deve ser a vacina dos sergipanos e a vacina do brasileiro.
CS – Que mensagem o senhor pode deixar para os sergipanos?
Lysandro – A mensagem final é que entendamos que ainda estamos em pandemia. A Europa enfrenta um dos piores lockdowns da época. A Europa enfrenta uma segunda onda, lotando as UTIs e não queremos isso para o nosso estado e nem para o Brasil. Portando, devemos persistir nas atitudes individuais, como uso da máscara, álcool gel, distanciamento, para assim podermos vencer essa pandemia. Ninguém queria estar nessa situação. Ninguém queria terminar o ano ainda enfrentando a luta contra o novo coronavírus. Mas, saibamos que atitudes individuais podem salvar o coletivo. O uso da máscara, o álcool gel, o distanciamento e a vacina, sim, vão poder nos libertar desse grande problema mundial que é a pandemia do novo coronavírus. Vou repetir a frase de uma propaganda que eu gosto muito: “A gente cansou do vírus, mas o vírus infelizmente ainda não cansou da gente”.
Frase
“É importante lembrar que o cenário pode ser revertido se as pessoas continuarem aderindo ao uso da máscara, ao distanciamento social e ao uso do álcool gel, coisas que não temos observado nos últimos tempos”