Especialista defende estratégias criativas para superar crises

O arquiteto e designer Alvaro Guillermo lançou recentemente o livro “Economia criativa na prática: Design&Consumo colaborativo”, que fala em como gerar empregos e ativar o mercado local com criatividade. Para ele, sair da atual crise em que estamos e de todas as outras que possam surgir, requer criatividade e, sobretudo, ser colaborativo. Guilhermo aconselha a quem nunca empreendeu antes, por onde deve começar, fala da importância de ressignificar o que fazemos e como o conceito de ‘colaboração’ é útil para encontrar novas fórmulas de consumo. Alvaro é diretor em uma agência especializada em estratégias criativas, Mestre em Arte, Educação e História da Cultura, especialista e pesquisador em consumo de Design e professor de pós-graduação dos cursos Ciências do Consumo e Design Estratégico.  Confira:

Correio de Sergipe: Você lançou um livro que encoraja sair da crise econômica de forma criativa. Na prática, como isso funcionaria?
Alvaro Guillermo: O modelo existente já não serve mais, repetir as mesmas fórmulas para obter novos resultados é impossível. Portanto, há de mudar a forma de fazer negócios. Mas, por outro lado, estamos lidando constantemente com o inesperado, então a criatividade dentro das empresas, instituições, deve ser uma constante, e não uma busca eventual de superação de um ou outro problema. Isto exige que as empresas desenvolvam um método para que a criatividade esteja inserida em seu DNA, e uma das maneiras é montar equipes multidisciplinares com disposição a colaboratividade.

CS: Que conceito é esse?
AG:
A criatividade por si só, ou uma ideia por si só, não gera valor. Somos todos criativos e conhecemos muitas pessoas criativas, mas sozinhos não conseguiremos mudar o entorno, por mais brilhante que sejamos. Quando me refiro na prática, no meu livro, estou propondo que as pessoas, empresas, instituições, comecem a desenvolver modos de colocar em prática novos modelos, sem medo de errar.

CS: E o que você quer dizer com o Design e Consumo Colaborativo?
AG:
No ponto de vista do Design, trata-se de compreender a necessidade em pensar de forma coletiva, multidisciplinar e colaborativa para desenvolver novos produtos. Os designers sabem disso, a sociedade ainda não. Cada um, em sua disciplina, faz bem sua parte, ciente que há outros fazendo outras coisas que irão interferir no produto final para melhor, resultando em algo de todos, não de uma mente criativa, não dá para esperar por “Leonardos” e “Michelangelos”. O mundo mudou. Do ponto de vista do consumo, o conceito é o mesmo, porém se aplica ao uso e abuso de todo nosso redor, desde os objetos, como os recursos naturais. Exemplo: se eu não colaboro para ter uma cidade mais limpa, será difícil obter uma limpeza de excelência. Se eu não colaboro para preservar a natureza, será difícil o futuro. Viemos de um modelo de pensamento linear de competitividade, de consumo exagerado e desnecessário, então é difícil mudar rapidamente esta forma de ser e pensar. Exatamente por isso temos que ser criativos para encontrar novas fórmulas. Com urgência, o tempo é curto!

CS: Como explorar melhor os talentos individuais?
AG:
Esquecendo os indivíduos e pensando no conjunto. A equipe é mais importante. Quando você monta um time para jogar em função do Neymar, você pensa no indivíduo. Quando o Neymar não joga, a equipe não sabe o que fazer. A criatividade está no conjunto não nos indivíduos.

CS: Você é um entusiasta. Que oportunidades enxerga em meio a essa crise que vivemos?
AG:
Muitas! Ao mesmo tempo que enfrentamos diversas dificuldades, entre fome e escassez de recursos, temos muitas pessoas, cientistas, estudiosos encontrando soluções criativas. Como por exemplo: um dos maiores problemas que estamos enfrentando, e em breve será maior, é a falta de água potável no mundo. Estamos próximos de, talvez em mais vinte anos, conseguir dessanilizar a água do mar, que é abundante. Na África o projeto Warka Water encontrou uma maneira simples de captar água do ar durante à noite, com tecnologia local. É acreditar na possibilidade de um mundo viável e sustentável.

CS: Com a alta da inflação, ter mais de uma renda se tornou hoje indispensável?
AG:
O sistema de trabalho e as leis trabalhistas estão também ultrapassadas. Aqui a criatividade passa ainda por uma resistência social e institucional. Se o sistema como um todo mudasse, não haveria necessidade de buscar outras soluções para complementar a renda. Em vez de complementar a renda, a sociedade deveria entender que temos que mudar o modelo atual. Se as escolas fossem públicas e de qualidade, se o sistema de saúde fosse público e de qualidade, se o transporte público fosse barato e de qualidade, e por aí vai, não seria necessário continuar pagando duas vezes por estes serviços. Com a diversidade de identidades que o mundo contemporâneo tem, até a Democracia deve ser revisitada. Um único mandante falando em nome da plurarilidade.

CS: O que você aconselha para quem ainda não faz ideia de como empreender?
AG:
Apreender, compreender e empreender são palavras formadas por sufixo diferente.  Apreender é assimilar, trazer para dentro de nós o que é importante. Compreender é quando isso tudo que apreendi faz sentido. E empreender é quando, depois disso, decidimos ir em frente iniciar uma atividade nova, arriscada, mas com segurança pois passamos as fases anteriores. Meu conselho é começar apreendendo, antes de empreender.

CS: Qual o sentido de empreender em momentos de crise?
AG:
O sentido está em caminhar sempre, independente se chegará lá. É a Utopia de Eduardo Galeano: “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos, e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve então a Utopia? Para nos fazer caminhar!”. Pelo menos saímos do lugar, da estagnação.

CS: Qual legado você acha que a pandemia deixará?
AG:
De que o inesperado e imprevisível pode acontecer a todo momento. Foi assim com o Bug do Milênio, a gripe aviária, a queda das Torres de NY, a quebra de créditos imobiliários, o Talibã, enfim. Assim será. Vivemos um mundo hipercomplexo, que isso ocorre a todo momento e, às vezes, em escala global. Precisamos ser anti frágeis (Taleb).

CS: Existe algum segmento econômico que se destacou mais nesse período?
AG:
Sim, o de arquitetura e interiores. Ficando mais tempo em casa, as pessoas tiveram que readaptar seus ambientes com urgência. A maioria percebeu que o “faça você mesmo” não funciona, que isso era supérfluo. Então a busca por profissionais preparados e bons produtos teve uma alta procura. O que agravou mais foi o atendimento do mercado, pois já estava em alta e a falta de componentes e outros problemas da pandemia complicaram o atendimento de forma adequada.

CS: Poderia nos trazer um caso que considera inspirador?
AG:
Gostaria de contar e convidar a conhecerem nosso projeto ‘Encontros Criativos’, desenvolvido pelo Club Design e Prefeitura da cidade de Santos (SP), sob minha curadoria. É um projeto colaborativo, que promove a economia através da criatividade, e vencemos dois grandes prêmios: o ‘IF Design’, considerado a Oscar do design, na categoria Social Impact , e o ‘Objeto Brasileiro’, do Museu A Casa, primeiro lugar na categoria sócio ambiental. Neste projeto, de forma sucinta, retiramos madeiras descartadas indevidamente na cidade, que causam inúmeros problemas ambientais, construímos uma marcenaria escola num antigo galpão do mercado de peixes, onde utilizamos estas madeiras com profissionais de arquitetura e design, para desenvolvemos novos objetos, que os alunos apreendem a construir durante as aulas. Esses alunos são pessoas em estado de vulnerabilidade e aprendem o ofício a fim de se inserir no mercado com pequenos reparos, montadores, etc. Todo o trabalho é voluntário e a arrecadação da venda dessas peças é revertida totalmente para o projeto. É um orgulho para todos nós envolvidos no projeto, algo que só é possível com um trabalho de criatividade, colaboratividade e design, fazendo repensar o consumo e descarte de matérias primas. É sustentabilidade!