Em ’30’, Adele vai além da ‘deprê’ com reflexões pós-divórcio e o som arrebatador de sempre

“30”, quarto disco de Adele, não é o “álbum de divórcio” que muita gente esperava. O fim do casamento dela em 2019 parecia o material perfeito para a especialista em decepções amorosas. Mas ela parte da separação para refletir sobre si mesma e achar sonoridades e sentimentos mais variados.

Ela continua arrebatadora. O disco não tem o poder de “21” nem bate tão fácil de cara quanto “25”. É reflexivo, tem faixas longas e alguns trechos propositalmente estranhos. Mas deve cumprir com louvor a expectativa comercial e artística. Em resumo, é bom, vai tocar demais e até vender vinis no Natal.

Pós-sofrência

Há um leve fio condutor de arranjos orquestrados de filmes antigos, que aparecem em várias faixas. Se fosse mesmo um filme, começaria no choque com o divórcio e seguiria com os dilemas de uma protagonista do tipo anti-heroína: a própria Adele, em busca de superar a sofrência.

O título de “30” é a idade que ela tinha ao compor as músicas em 2019 – agora ela já tem 33. Com letras “sinceronas”, ela expõe frustrações consigo mesma, explica seus erros ao filho e tenta se encontrar na vida sozinha. Ela vai do pessimismo a momentos de Adele solteira, livre e leve na pista.

O primeiro álbum dela em seis anos sai nesta sexta-feira (19).

1 – “Strangers by Nature”

O disco começa com sua canção mais diferentona, que remete a Judy Garland e trilhas da era de ouro de Hollywood. Introspectiva, Adele canta sobre “levar flores para o cemitério do seu coração”.

É uma parceria de Adele com o compositor sueco Ludwig Göransson, coautor de “This is America”, de Childish Gambino, e da trilha de “Pantera Negra”.

2 – “Easy on Me”

O primeiro single do álbum, que já tinha sido lançado, quebra o clima de estranheza da abertura e tem uma Adele mais familiar. A voz é intensa, mas não tem a explosão dos singles anteriores.

É a única faixa que ela parece cantar para o ex sobre o fim do casamento (“Eu não tive tempo de escolher o que escolhi”). É uma das várias composições dela com o antigo parceiro Greg Kurstin – sim, aquele acusado de plágio junto com ela pelo compositor de “Mulheres”.

3 – “My Little Love”

Se a anterior era dirigida ao ex, essa é para o filho, Angelo, de 9 anos. É muito confessional e comovente: “Eu sei que você se sente perdido, e isso é completamente minha culpa”, ela canta.

Também tem arranjos de cordas e uma base trip-hop, com mais de seis minutos, que incluem trechos de mensagens de voz para o filho. Adele faz a gente se emocionar até com áudio de zap.

4 – “Cry Your Heart Out”

Apesar do título choroso, tem um clima de superação, efeitos vocais e uma base pulsante de R&B e doo-wop que mostram um disco com um lado animador e mais variado que os anteriores.

A mensagem é de pós-sofrência: chorar até não poder mais, limpar o rosto e seguir em frente.

5 – “Oh My God”

Segue a direção para cima da faixa anterior, com arranjo soul-gospel, clima de expurgo dos demônios interiores e um verso surpreendente: “Eu quero me divertir”.

Mas Adele também expõe a dificuldade de fazer isso sendo uma celebridade. “Eu prefiro parecer boba do que deixar a mim mesma para trás”, ela canta.

6 – “Can I Get It”

Essa também surpreende com um violão despojado e uma levada que lembra o pop do final dos anos 90 e começo dos 2000 – assim como Lorde buscou no seu disco mais recente.

Entre assobios e um tom mais leve, a Adele solteira reclama da falta de compromisso dos caras de Los Angeles para ir além dos encontros casuais. Esse pop tem uma mão do produtor Max Martin.

7 – “I Drink Wine”

Não foi escolhida como próximo single por acaso: já tinha virado meme antes de sair e, sem dúvida, é uma das mais fortes do disco. Tem um piano bem Elton John e uma letra contemplativa.

O tom é de ensinamento de uma Adele mais vivida e mais sábia. “Como alguém pode ficar tão preso pelas escolhas que outra pessoa fez?”, ela reflete.

8 – “All Night Parking”

A Adele solteira chega ao seu ponto mais ousado aqui: “Quando estou numa festa / Estou só animada pra chegar em casa / E sonhar com você / Por toda a noite”.

Os versos leves de cantora apaixonada se misturam a trechos do pianista de jazz Erroll Garner com uma base eletrônica.

9 – “Woman like Me”

Outro dedilhado lo-fi com levada jazz-pop e letra sobre a dificuldade de se paquerar em paz sendo Adele. “Você acha que vai se sentir pequeno / Essa é sua projeção, não minha rejeição”, ela alfineta.

Essa faixa, a seguinte e a última do disco inauguram uma parceria de Adele com o jovem produtor britânico Inflo, que já trabalhou com The Kooks e Michael Kiwanuka.

10 – “Hold On”

Outra faixa longa, de mais de seis minutos, que começa etérea e vai crescendo e se encorpando com um coro gospel.

Ela para de narrar suas incursões amorosas, se volta para dentro e fala sobre a paciência ao esperar um amor. “Às vezes a solidão é o único descanso que conseguimos (aguente firme)”.

11 – “To Be Loved”

Para quem gosta das mais sofridas da Adele, “To be loved” é “aquela” do disco. Com quase sete minutos, é o clímax de “30”, só no piano e voz. Aqui ela leva seu vocal ao limite.

A canção sobre as perdas e ganhos do amor é a única parceria de Adele nesse disco com o craque canadense Tobias Jesso Jr., que já tinha trabalhado com ela em “When we were young”.

12 – “Love Is a Game”

Volta a orquestração de filme clássico que amarra conceitualmente o disco. Acaba com um clima levemente otimista, ou no mínimo de um balanço sobre as lições aprendidas sobre o amor.

Como a própria Adele diz, é uma música do tipo das que tocam quando o filme termina e rola o crédito. “Eu posso me amar / Eu posso me amar por inteiro agora”, ela canta.

Fonte: G1