Depois de chegar na Bahia, resto do Nordeste está no radar da Escariz

Por Wilma Anjos

Chamada de Dona Fátima por seus colaboradores, a economista e dona da livraria sergipana Escariz transitava freneticamente nos 1.240 m² de sua nova unidade aberta em novembro passado, na Avenida Hermes Fontes, onde antes funcionava o ‘Shopping do Estudante’. Fátima Escariz tinha acabado de chegar de uma visita a sua outra nova loja, a de Salvador, quando recebeu a reportagem do jornal Correio de Sergipe (CS). Ela e o marido, Paulo Escariz, estão no mercado de livros há quase quatro décadas. Eles começaram modestamente na garagem de uma casa, em Aracaju. Hoje a marca está consolidada em nove pontos comerciais da capital e em um da Bahia. Durante o pico da crise pandêmica, a empresária disse que fez um esforço enorme para minimizar os impactos em sua folha de funcionários, evitando as demissões. Ela confessa que aguarda ansiosa por um governo capaz de arrumar a pasta da Economia do país, que considerou inconstante no momento. “Seja lá quem for, que venha pôr ordem!”. O casal Escariz chama a atenção não só por manter as portas abertas durante a crise sanitária, mas, sobretudo, por atravessar a fronteira e expandir para a Bahia num momento crítico para a maioria. Confira:

Correio de Sergipe: Escariz é o seu sobrenome. A história pessoal de vocês funde-se à própria história do empreendimento, não é mesmo?

Fátima Escariz: A Escariz tem 36 anos de história! Ela começou como uma banca de revista que ficava ali na Avenida Dom José Tomaz, com Augusto Maynard. Começamos com uma banca de revista e fomos aproveitando as oportunidades que surgiram para expandir. Primeiro apareceu o GBarbosa, depois vieram os shoppings [de Aracaju], daí não paramos mais.

CS: Enfretamos o segundo ano de pandemia e, ao contrário de muitos, a Escariz expandiu. Como foi esse planejamento?

FE: Acabei de chegar da loja de Salvador e vim direto para cá. Seguindo essa lógica de aproveitar das oportunidades. O que foi que aconteceu com a pandemia? Foi uma situação muito difícil para todos, inclusive para nós. Foram cinco meses de pandemia [quarentena], mas nós procuramos não demitir e conseguimos aproveitar as oportunidades. Uma delas foi justamente a Saraiva, em Salvador, quando anunciou que fecharia. Vimos a oportunidade de entrar no mercado baiano, ainda que nessa época. Por que? Porque justamente na pandemia percebemos que as pessoas voltaram a ler, de tão cansados que estavam das telas. Foram tantas lives, tanto celular, tanto computador, que as prioridades se inverteram. Houve uma procura muito grande por livro para relaxar esse excesso. Não houve aumento de vendas, porque fizemos o serviço Delivery, via whatsapp e essa foi uma metodologia que nos demandava muito. Para você ter uma ideia, por exemplo, um cliente que entra na loja física ele escolhe quantos livros quiser e leva. Pelo whatsapp você passa, por exemplo, até uma manhã inteira para fazer uma única venda. O cliente queria saber o que era que tinha dentro do livro, a teoria, seu conteúdo, o tipo de leitura, gramatura, se era pesado, se a letra era grande, qual o valor, enfim. Há um abismo gigante entre a venda física e a via whatsapp. Nunca esquecerei de um dia das mães e dia dos namorados nas lojas fechadas. A gente chegava a ter o cliente escolhendo um presente o dia inteiro. Ele queria saber todos os detalhes e pedia: ‘vire de lado’, ‘tire foto de frente’. O nosso funcionário interagia com o cliente e não foi tarefa fácil. Mesmo assim, houve uma busca grande por livro. Inclusive o mercado acredita que este Natal será um dos melhores para o mundo editorial, porque tem muito lançamento bom. Veja bem, não estou dizendo que os outros produtos são supérfluos. De maneira alguma! Você tem suas necessidades e eu as minhas. Mas vimos as pessoas querendo algo mais significativo, como um livro. Vimos o cliente presentear a criança porque ela vai ler, gostar e lembrar que o seu primeiro livro quem deu foi a madrinha, o pai ou o tio. Acreditamos muito nesse Natal. Foi uma época ruim e difícil para todos, mas foi uma mudança de hábito que trouxe de volta o bom hábito de ler. Ah, mas o crescimento [das vendas] foi grande? Durante a pandemia, não! As vendas ficaram aquém, para ser sincera. Porém, agora é que estamos vendo 10, 20, 30 por cento de aumento. Estou fazendo um comparativo com 2019, porque 2020 e 2021 foram anos para serem recuperados.

 

CS: Vislumbra uma melhora na nossa economia ano que vem, ano eleitoral?

FE: Honestamente acho que pior do que está não deve ficar. É entregar a Deus para que venham pessoas boas no cenário político. Aracaju eu acho até que está tudo direitinho. Temos um bom prefeito. Acho que o governador do estado também, dentro do possível, fez um bom trabalho. Mas nacionalmente está uma loucura. Está uma desordem. Eu realmente, sinceramente, gostaria que qualquer um acertasse. Há muita insegurança econômica do jeito que está! Se eu pegar um empréstimo num dia, no outro os juros estão nas alturas. Como é se trabalha assim, sem um mínimo de segurança? Como crescer ou investir sem saber como os juros ficarão?

 

CS: O governo federal soltou a mão do empresário?

FE: Não só dos empresários! O governo federal não ajuda ninguém! Desde os mais carentes aos mais abastados. Pensaram até em taxar livro. Se isso acontecesse, como ficariam os mais carentes na hora de estudar? Ou seja, tudo muito delicado, embora eu não acredite que o Parlamento aprove uma tributação desta natureza.

 

CS: Pelo menos o mercado editorial brasileiro conseguiu respirar nesta pandemia.

FE: É verdade, estamos animados. Teve a Bienal esse ano, no Rio de Janeiro. Nós fomos. Foi um momento muito emocionante de retorno, mesmo que ainda muito receoso, com pouca gente em relação aos outros anos, mas muito gratificante por retornar. Teve muita criança, muitos estudantes, muitos jovens. O governo do Rio injetou nas escolas, com o cartão cultura, o vale cultura para eles. Foi muito interessante.

 

CS: Quanto você estima que deve ser vendido neste fim de ano?

FE: Justamente pelas pessoas terem voltado a ler, queremos um acréscimo de 30% em relação a 2019. Todo comparativo é com 2019, antes da pandemia. Infelizmente 2020 e 2021 foram perdidos.

 

CS: Vocês chegaram na  Bahia no final do ano passado. Como estão os negócios por lá?

FE: Em Aracaju nós temos grandes leitores. Uma das coisas que norteou nossa vida em livreiros foi acreditar que o povo sergipano lia, o que faltava era oportunidade. Em Salvador há uma quantidade gigante de grandes escritores baianos. Castro Alves, Jorge Amado e lá se vai. Tem “milhões” de escritores baianos. Lá o pessoal já lê há muito tempo. Então, há uma clientela muito grande. Isso é bem gratificante.  Chegamos em Salvador achando que seria uma ousadia, mas fomos muito bem recebidos. A população acolheu a Escariz com muito carinho, até porque Paulo é baiano, mas já está aqui em Aracaju há 42 anos, mas foi como se ele estivesse retornado às origens de alguma forma, dando apoio à cultura local para poder divulgar livro, que é o nosso trabalho sempre feito por aqui, o de apoiar os escritores. Sempre fizemos um trabalho de muito apoio ao escritor sergipano para incentivá-lo a produzir. Ele se preocupa em escrever e a gente em fazer a comercialização.

CS:  Já dá para traduzir essa receptividade em números?

FE: Como nós só temos um ano lá, ainda não temos o comparativo de crescimento. Não comparamos com Aracaju. O mercado lá é outro. Fizemos um ano em Salvador dia 4 de dezembro. O que posso dizer é que a gente tem visto um crescimento mês a mês muito bom. Um comentário, uma aceitação, um giro de boca a boca, os elogios, a procura dos escritores. A gente teve um evento grande lá, um grande escritor da editora Geração, o Fernando Vita. Foi um evento maravilhoso. Só tivemos um evento desta magnitude com o lançamento do livro de João Alves Filho, por incrível que pareça. O meu maior lançamento de livro até hoje foi o de João Alves e o segundo foi Orlando Rochadel. O terceiro foi Fernando Vita, lá em Salvador.

 

CS: Planejam nacionalizar a rede?

FE: Nós tivemos muitas oportunidades, principalmente para o Nordeste. Muitas oportunidades para Maceió, Fortaleza, Recife, mas como primamos por excelência no atendimento, preferimos ir devagar. Mas não estamos com as portas fechadas, mas, repito, a intenção é que mantenhamos o bom atendimento. Essa é a nossa grande preocupação.

 

CS: Como administrou a folha de funcionários durante a pandemia?

FE: Foi um esforço enorme! Lógico que aproveitamos todos os benefícios dados [pelo governo]. Alguns funcionários ficaram em casa, para não haver demissão. Foram aqueles 30%, 70%, etc, dados pelo governo proporcionalmente à redução da jornada de trabalho. Enfim, usamos todos esses recursos oferecidos para atravessar a crise, e não houve demissão. A parte boa da história toda é que agora estamos cada vez mais contratando. Nós chegamos a ter 120 funcionários antes da chegada da Saraiva. Depois tivemos uma redução grande na pandemia, com uma marca de 70 funcionários. Hoje estamos com 140, ou seja, o dobro. Já estão incluídos os 20 funcionários da loja do [Shopping] Barra, Salvador, e outros 20 dessa nova loja da Hermes Fontes. Fora a estrutura de escritório que aumentou toda. Aqui na loja da Hermes Fontes a gente inaugurou tem 15 dias. Quer dizer, não inauguramos, abrimos. Inauguração não dava para fazer, mas dava para abrir. Até porque você não consegue abrir uma loja desse porte com todo o estoque. Muita coisa vai chegando aos poucos. Além disso, coincidiu que abrimos no período do Volta às Aulas. Muita coisa ainda está a caminho. É diferente de você abrir uma livraria com os títulos nacionais. Assim é maravilhoso. Mas uma livraria como essa, onde tem venda de uniforme, de material didático, é complicado porque eu dependo do fornecedor.

 

CS: E essa novidade de ampliação do portfólio, abarcando a venda de uniformes. Como vai funcionar?

FE: É uma novidade para nós. É o primeiro ano que trabalharemos com uniforme. É um desafio, porque pegamos o negócio já andado. Muitas escolas entraram em contato com a gente já depois, pedindo que os seus uniformes fossem vendidos comigo, mas já estava no meio do caminho e as fábricas não sabiam se entregariam a tempo. Corremos atrás e espero atender bem. No início foi uma loucura, mas já foram feitos todos os pedidos. Muitos já chegaram, outros devem chegar até o final de dezembro, estamos nos preparando.

 

CS: A distribuição ficará só com a unidade da Hermes Fontes?
FE:
Sim, por enquanto. Vamos esperar o resultado dessa experiência para decidir se levaremos o serviço para as outras. Vamos entender primeiro o seu funcionamento, porque é tudo muito novo. Ainda teve um detalhe: Luciana, a antiga proprietária do Shopping do Estudante, não conseguiu encerrar as atividades antes de outubro. Quando ela nos entregou, só tivemos 30 dias para reformar, produzir, fazer compras. Então, é tudo muito novo. A gente precisa entender como esse mercado de uniformes funciona para daí ver se expandiremos, por exemplo, para a loja da Jorge Amado. Vamos ver.

 

CS: Como foi essa transição do Shopping do Estudante para a Escariz?
FE:
Luciana que nos ofereceu. Foi uma grande oportunidade. Inclusive, foi muito digno da parte dela. O que foi que ela viu? Ela fecharia de qualquer maneira, mas não queria deixar morrer o serviço que prestava à cidade, e nem passar para uma pessoa que fosse de fora [de Sergipe], porque ela via o nosso trabalho. Nós sempre nos demos muito bem. Ela enxergou que seria injusto tirar da cidade aquele trabalho que a gente já vinha fazendo. A ideia dela foi dar continuidade com uma empresa que respeitasse sua clientela de escolas.

 

CS: Tanto trabalho já está refletindo nas contas?

FE: Não podemos falar exatamente em retorno financeiro no momento, mas há o retorno intangível. O primeiro pensamento da gente, é lógico que somos comerciantes, vivemos disso,  não tenho outra forma de sobreviver, mas o nosso maior investimento sempre foi em conforto, qualidade de atendimento e acervo. Então, qual seria o retorno que tenho agora? Não temos retorno financeiro ainda, mas tem retorno de satisfação ao cliente. Os clientes estão satisfeitos, sendo bem atendidos, se sentindo confortáveis dentro da nova casa, estão felizes que vão encontrar tudo num só lugar, desde a borracha à calça jeans. Nesse aspecto eles estão realmente satisfeitos. Nos preocupamos muito com o acolhimento.

CS: Planeja algum lançamento aqui em Sergipe?

FE: Claro! Estamos sempre abertos para todas as oportunidades. Fernando Vita, por exemplo, quer vir a Aracaju agora em janeiro. Estamos abertos a qualquer lançamento, desde o escritor que se se considera pequeno, até os renomados. Todos são muito bem vindos. Costumo dizer: acreditem no seu livro! Digo isso porque às vezes o autor não acredita. E, insisto: “Não façam isso! Muitas vezes é uma surpresa”.