Crise nos fertilizantes acelera planos de ampliação da Unigel
Por Wilma Anjos
Nos últimos dias, o país vivenciou momentos delicados de iminente desabastecimento de fertilizantes. O Brasil importa cerca de 85% dos insumos usados na produção de fertilizantes na Agricultura. Com a guerra entre Rússia e Ucrânia, as sanções aplicadas aos russos inviabilizaram o embarque desses produtos, colocando em risco o plantio de culturas brasileiras. A Unigel, companhia Petroquímica também instalada no estado de Sergipe, que, entre outros, produz fertilizantes nitrogenados, conversou com o Correio de Sergipe (CS) a respeito deste tema, opinou como a Unigel pode ajudar para contornar a situação e adiantou que uma nova planta em Camaçari, na Bahia, será construída para levar matéria-prima a uma fábrica ainda desativada em Laranjeiras, Sergipe. Isso significa que mais dois projetos entram em operação ainda este ano, o que geram desenvolvimento e oportunidades de emprego. Fustaino ponderou sobre o Plano Nacional de Fertilizantes, lançado pelo Governo Federal, com a intenção de sanar essa problemática. Na opinião dele, criar competitividade para que uma empresa queira investir numa fábrica de fertilizantes nitrogenados é um dos caminhos para tornar o país mais autônomo na produção. Confira os melhores os momentos desta conversa:
Correio de Sergipe: Para diminuir a dependência de importações, o governo lançou o Plano Nacional de Fertilizantes. Como a Unigel recebe esta notícia?
Luiz Felipe Fustaino: A existência de um Plano Nacional de Fertilizantes é uma ótima notícia para o Brasil e também para a Unigel, do ponto de vista em que o governo sinaliza o interesse em remover os entraves que fizeram com que o país se tornasse tão dependente de fertilizantes em geral. Hoje, quando a gente pensa em fertilizantes, tem uma sigla que é o NPK. O N é o nitrogênio, o P é de fósforo e o K é de potássio. O N é diferente do P e do K, no sentido em que o N depende do gás natural como matéria-prima. Com esse gás natural produz-se os fertilizantes nitrogenados. Dois principais que nós fazemos na Unigel são a Ureia e Sulfato de Amônio. Já no caso do P e do K, para você ter acesso ao fósforo e ao potássio, isso requer uma etapa inicial de mineração. Ou seja, o estado de Sergipe, se eu não me engano, é rico em um desses. Mas eu não sou a pessoa ideal para falar disto, porque eu estou muito focado no N, no nitrogenado, que é o que a gente faz na nossa planta em Sergipe e na Bahia. Mas eu sei que Sergipe tem reservas minerais desses outros. É uma discussão de mineração em terras indígenas, que é uma preocupação extremamente importante e precisa ser endereçada. Mas no nosso caso aqui, da Unigel, são os nitrogenados, o N dessa sigla NPK. Ele não passa por essa etapa de mineração.
Outra coisa: para cada tipo de cultura você vai ter uma combinação de N, P e K. Ou seja, para soja é uma, para milho é outra, para café é outra, para cana é outra, e assim vai. Mas de alguma forma você está sempre precisando dessas três letrinhas, digamos assim. O Brasil se tornou muito dependente de importações. Quando eu falo muito dependente, eu quero dizer que mais de 80% do fertilizante consumido no Brasil é importado. O país é hoje o que mais importa fertilizantes do mundo, em números absolutos, e claro que isso se torna um agravante num momento como esse. Mas, para fechar, o Plano Nacional de Fertilizantes é muito bem-vindo. É uma de várias iniciativas para atrair investimentos para a produção nacional de fertilizantes, e nós entendemos como um importante primeiro passo, mas entendemos também que muito ainda precisa ser discutido, elaborado. Acho que foi um primeiro passo. Um anúncio, provavelmente também o timing é que exigia uma manifestação do governo naquele momento. Mas ainda tem muita discussão a ser feita, ainda há muito que se entender para tornar este plano viável. Ele é um plano que fala muito em longo prazo, até 2050. Mas a ideia é boa, que passa por criar um ambiente competitivo para a produção nacional e isso, sem dúvida, a gente apoia e quer ajudar na viabilização.
CS: O Plano já menciona como o país fará para atrair esses investimentos, se é zerando as alíquotas dos impostos, por exemplo?
LFF: Foi um primeiro passo e é muito mais no sentido de trazer a intenção e de trazer o tema dos fertilizantes para dentro de uma pauta estratégica do país. Ao longo dos últimos anos, alguns temas ganharam a pauta estratégica, como o Saneamento, o novo marco do Saneamento. Houve diversos desenvolvimentos desde que o assunto veio à tona, e o próprio novo marco do gás natural também. Isso é importante aqui para a Unigel. O Brasil passou a ter um mercado livre de gás natural, com novos fornecedores, com novas empresas querendo produzir gás natural no Brasil. Vou te dar um exemplo: Hoje temos dois fornecedores de gás. Dois contratos principais. Um com a própria Petrobras e o outro com a Shell, que fez o seu primeiro contrato no mercado livre de gás no Brasil com a Unigel. A Shell passou a explorar gás na bacia do Rio de Janeiro. Ela produz no Brasil e agora assina seu primeiro contrato no mercado livre de gás. O primeiro contrato, o primeiro consumidor, é a Unigel. Agora é um plano que precisa ser maturado e mira no longo prazo. Mostra intenções, e o que a gente nota, como produtores, é que o primeiro passo para atrair investimentos em fertilizantes do Brasil é criar um arcabouço legal, institucional e tributário, que faça com que as empresas se sintam seguras para investir. Talvez este seja o primeiro passo que foi dado do plano, mas ainda há muito a ser feito, ainda tem muito trabalho ali para que ele comece a atrair os investimentos que vão fazer o país sair da posição de muito dependente de importações.
CS: Qual a sua opinião para o país conquistar essa autonomia neste mercado?
LFF: Eu vou responder primeiro no lado dos fertilizantes nitrogenados, que é onde a Unigel está. Para você produzir fertilizante nitrogenado, é tão simples quanto você ter acesso a gás natural, a matéria-prima. Ter a garantia de acesso a um gás natural competitivo e depois fazer um investimento numa planta, numa fábrica de fertilizantes nitrogenados. Ou seja, onde está o ponto todo aqui? Em criar competitividade para que uma empresa queira investir numa fábrica de fertilizantes nitrogenados, aumentar as capacidades. Como você pode fazer isso? Criando novos players no mercado que queiram explorar gás. Isso faz com que aumente a oferta e cria uma perspectiva de que os preços do gás natural no Brasil vão ser preços de um país de um grande produtor e não os preços praticados num país que é dependente de gás. O que eu quero dizer com isso? Nos últimos 20 anos, os Estados Unidos se tornaram um grande produtor de gás. Por outro lado, a Europa deixou de ser um produtor de gás natural e passou a ser muito dependente. Lá, eles usam muito gás natural para aquecimento das casas, são muito dependentes do gás. É uma situação de dependência. O preço praticado nos Estados Unidos é muito menor, como um país produtor, do que o preço praticado na Europa. Para que o Brasil atraia investimentos em fábricas de fertilizantes nitrogenados ou até mesmo em novas plantas químicas que podem usar o gás natural, temos que começar a ver uma realidade de preços de gás no Brasil mais perto dos Estados Unidos do que da Europa. Hoje a realidade é que o Brasil tem um preço de gás natural mais alto do que diversas regiões do mundo. Investir numa estrutura que traga novos investimentos em gás natural, aumente a oferta de gás natural e com isso os preços fiquem mais competitivos é uma. E a outra que eu acho é o que esse plano busca endereçar. Para trazer fertilizantes para o Brasil, o imposto de importação é zero, porém o produtor nacional está sujeito a uma carga tributária elevada – PIS/COFINS, ICMS – para transitar com o fertilizante interestadual. Mexer nessas alíquotas para tornar o produtor nacional par e passo, isto é, em pé de igualdade com o produtor estrangeiro, também ajudará a trazer investimentos para o país.
CS: É isso que o governo está tentando?
LFF: Isso foi o que ele sinalizou. Vemos que essa sinalização é positiva e que ainda há muito a ser feito para detalhamento do plano. Acho que esse é o próximo passo que precisa ser dado. Nós da Unigel estamos dispostos a detalhar o plano, agora que somos produtores e entendemos melhor a realidade do setor de fertilizantes. Acho que os grandes temas passam por isso que eu te falei: ter um gás natural competitivo no Brasil e criar uma estrutura tributária que permita o produtor nacional competir em pé de igualdade com o estrangeiro.
CS: Você falou que o fertilizante da Unigel é o nitrogenado, mas a ministra da agricultura assegurou do Canadá mais importação de potássio. A Unigel planeja ampliar o business?
LFF: Num primeiro momento, não. Por uma questão de knowhow, das competências técnicas. Atuar na mineração não está no DNA da Unigel hoje. Num primeiro momento não é este o caminho. Vou colocar a lupa nos nitrogenados. A Ureia, por exemplo, que é o principal produto nitrogenado, principal fertilizante importado, o Brasil tem um mercado da ordem de 8 milhões de toneladas ano. Nós da Unigel operamos uas fábricas, uma em Laranjeiras-SE e outra em Camaçari-BA, que, juntas, produzem algo como 1.15 milhão de toneladas ano, que dá mais ou menos 15% do mercado total. Ainda tem 85% do mercado que precisa ser atendido em Ureia. Vou falar de um outro fertilizante que é o Sulfato de Amônio, que é talvez o segundo mais importante de nitrogenado. É um mercado quase da ordem de 3,5 milhões de toneladas ano. Temos uma planta capaz de produzir na ordem de 350 mil toneladas ano. O que a Unigel poderia fazer? Poderia revitalizar uma outra planta que está em Sergipe, que tem potencial para produzir mais 320 mil toneladas ano. Esta planta está no contexto que eu chamo de Agro Sergipe, que a Petrobras chamava de Fafen em Sergipe, lá em Laranjeiras. Para eu retomar essa unidade, preciso de matéria-prima e não é o gás natural, que eu já tenho. Me falta uma matéria-prima chamada Ácido Sulfúrico. Nós estamos comprometidos com um investimento numa nova fábrica de Ácido Sufúrico, que ficará localizada em Camaçari, na Bahia. Essa fábrica pode tornar econômica a produção de Sulfato de Amônio, em Sergipe. Com isso nós quase dobraríamos a capacidade de produção. Sairíamos dos 350 mil, mais os 320 mil que nós temos em Sergipe e que hoje não está em operação, passaria para 670 mil, que aí já aproxima pelo menos um pouco mais de 20% da produção nacional de Sulfato de Amônio. Eu estou falando em 15% na Ureia e em 20% no Sulfato de Amônio. Mas para aumentar isso são necessário novos investimentos. Existe uma ação, para os próximos 12 meses dentro da Unigel, que é investir numa fábrica de Ácido Sulfúrico em Camaçari, como disse, que tornarrá econômico produzir Sulfato de Amônio em Laranjeiras. Já tínhamos isso nos planos, faz anos que falamos nessa fábrica de Ácido Sufúrico. Tínhamos planejado para 2022, mas todo esse cenário, esse contexto da necessidade brasileira de fertilizantes nos fez apertar o passo. Queremos estar com esses investimentos acontecendo até o longo de 2022.
CS: A planta de Camaçari deve operar ainda esse ano?
LFF: O Ácido Sulfúrico a gente planeja começar a produzir no primeiro trimestre de 2023. Eu diria que tem aqui 12 meses para começarmos a operar. Estamos no fim de março de 2022, até o fim de março de 2023 a gente deve estar com essa fábrica de Ácido Sulfúrico pronta.
CS: Já dá para saber quanto de emprego essa nova planta gerará?
LFF: Como o projeto ainda está no início, eu não consigo levantar a projeção no momento. Mas, voltando no tempo, em 2021, para colocar em operação as duas, a Agro Bahia e a Agro Sergipe, que têm tamanhos semelhantes, estimamos ter gerado, entre empregos diretos e indiretos, algo da ordem de 1500 vagas no total, entre Bahia e Sergipe. Agora estamos falando de novo de dois projetos. Um de produção de Ácido Sulfúrico, na Bahia, que temos que construir uma nova planta. Acho que haverá mais empregos gerados nesse momento na Bahia.
CS: Faz sentido, o projeto em Camaçari é construir.
LFF: Isso! Vamos construir do zero. Vai ser uma nova fábrica, feita do zero, em um terreno dentro do Polo Petroquímico de Camaçari. Parte do Ácido Sulfúrico que será produzido em Camaçari deve ir, então, para essa nossa fábrica de Sulfato de Amônio, em Laranjeiras. A fábrica de Laranjeiras está desativada. Dos ativos que recebemos da Petrobras no arrendamento, essa foi a única planta que ficou desativada. E com esse investimento no Ácido Sulfúrico, podemos revitalizar e colocá-la para operar. Está nos nossos planos de curto prazo. Dentro de 12 meses começaremos a deixar tudo isso pronto para começar a operar.
CS: Esta que está desativada é a antiga Fafen?
LFF: Isso. A antiga Fafen, em Sergipe, que eu estou chamando de Unigel Agro. São duas Fafens. A Fafen Bahia, que fica em Camaçari e a Fafen Sergipe, que fica em Laranjeiras. Nós arrendamos as duas. Em Sergipe eu tenho: uma fábrica de 650 mil toneladas de Ureia, 450 mil toneladas de Amônia, 320 mil toneladas de Sulfato de Amônio. Esses 320 são o que a gente ainda não colocou para operar. A Amônia e a Ureia a gente já está produzindo, o Sulfato, não. Para o Sulfato, a gente precisa fazer esse investimento em Ácido Sulfúrico na Bahia, para viabilizar a planta de Sulfato de Amônio em Sergipe.