Brasileiro usa memes para lidar com as dificuldades

Por Wilma Anjos
No mês passado, um meme foi vendido por quatro milhões de dólares, o que corresponde a mais de 20 milhões e meio de reais. Em 2019, a preciosidade em questão, a foto de “Doge”, um Shiba Inu de uma japonesa, venceu o prêmio de meme da década, pelo site Know Your Meme – uma espécie de Wikipédia dos memes – e agora acabou sendo arrematada por esta fortuna jamais imaginada por sua dona quando fez um ensaio fotográfico de seu cachorrinho adotado. Mas, o que é um meme e por que os brasileiros são considerados um dos povos que mais aproveita este tipo de linguagem? Para o professor-Doutor e psicólogo, doutor Cleberson Costa, aderir à brincadeira é uma forma de o brasileiro enfrentar as dificuldades do dia a dia com bom humor. Porém, é preciso atentar se de fato está-se reproduzindo diversão ou fazendo bullyng virtual com questões sensíveis a um determinado grupo, destaca o professor. Costa nos explica como se deu a inserção do meme no Brasil, como a velocidade da internet contribui para a sua disseminação e quando a brincadeira perde a graça, entre outras curiosidades sobre o tema. Confira:
Correio de Sergipe: Professor, pode nos explicar o que é considerado um meme?
Cleberson Costa: O meme é um termo associado aos diversos tipos imagens, vídeos, gifs que reproduzem o humor. A ideia de quem faz um meme é que esse caia na graça das pessoas, viralize nas redes sociais e enraíze-se à cultura popular.
CS: Ele pode ser considerado um dialeto paralelo à língua oficial?
CC: Excelente reflexão. Ouço dizer que os memes são um retorno a nossa história, a nossa comunicação através de ilustrações, com brecha para diferentes percepções e disseminação de mensagem em massa. Os memes reproduzem aquilo que o sapiens-sapiens sempre fez: a busca pela comunicação massiva.
CS: O senhor tem notícia de como esse movimento começou da forma que o conhecemos hoje?
CC: Existem diversas teorias sobre o início dos memes, mas o meme virtual começa junto às primeiras redes sociais, se é assim que podemos chamar os webblogs. Ainda na era dos blogs, observamos que postagens de parte das imagens, e textos associados a estas, já tinham o objetivo de apreender a atenção, gerar tendência de comportamento através do bom humor. Os blogs, os chats, todas essas redes sociais precurssoras foram expandindo a cultura dos memes ao redor do mundo.
CS: Por que o brasileiro é tão aderente ao seu uso?
CC: É o recurso do brasileiro. O meme surge como mais um recurso de enfrentamento às adversidades do nosso cotidiano através do humor. Diante de tanta adversidade, o brasileiro sempre buscou conviver de uma forma mais adaptativa, bem-humorada, e os memes auxiliam nesse processo de enfrentamento. Criatividade que gera sensação de bem-estar e alegria.
CS: Essa tendência de levar situações sérias na brincadeira é demonstração de imaturidade nossa?
CC: Não acredito nesta hipótese. Acredito que é uma forma de enfrentar a situação, não de fuga. Fugir é preocupante, tornar o problema mais leve não. Claro que é interessante analisar caso a caso, mas de modo geral o brasileiro busca enfrentar com humor as situações adversas que vem a ocorrer.
CS: É sintoma de algum problema uma pessoa que passa boa parte do tempo se comunicando só por memes?
CC: Não há algo sinalizado acerca disso na literatura. Mas fica aí uma boa dica de estudo científico. É importante estudar possíveis consequências desta comunicação, sim.
CS: Quando o uso de meme deixa de ser diversão e passa a ser preocupante?
CC: Justamente quando deixa de ser divertido. A diversão deve englobar a todos os envolvidos. Imagina se apropriar de uma imagem na qual o autor se sente ofendido pelo significado que você atribui? Ou que o espectador se sinta invadido? Bom humor deve ser associado sempre ao bom senso. Para ter graça não precisa, nem deve, ser ofensivo.
CS: Dá para categorizá-los como saudáveis ou tóxicos?
CC: Acredito que não. Como disse, é importante analisar caso a caso e refletir acerca da produção e impacto que o meme pode causar em todos.
CS: Você acha que a efemeridade da internet colabora para a produção interminável dessas brincadeiras?
CC: Outra importante reflexão. A velocidade do tempo que vivemos, não é? Não falamos aqui da cronologia, mas da percepção de tempo. Vivemos numa velocidade maior, essa é a nossa sensação. E o mundo digital, ao qual a internet se insere, exemplifica bem essa mudança na percepção de tempo. O tempo está voando e aquilo que está sendo noticiado hoje, amanhã já será ultrapassado. Os memes seguem essa tendência, a todo instante surge uma nova situação a ser explorada e transformada em meme.
CS: Por fim, tudo é só brincadeira ou dá para ganhar dinheiro com isso?
CC: Acompanho bastante páginas virais no Instagram. Acredito que o pessoal tem faturado bem, viu? Mas nunca faturei. Adoraria ter a criatividade que a galera tem, mas não tenho [risos]. Que sigam fazendo algo positivo para divertir o público e exercitar as diferentes percepções que podemos ter diante das situações consolidadas no mundo. Afinal, não podemos mudar as situações, mas podemos mudar como lidamos com elas.