Suicídio: a suprema dor de existir

“Súbita, uma angústia… Ah, que angústia, que náusea do estômago à alma!” (Fernando Pessoa).

A dor emocional talvez seja a mais silenciosa das dores, ancestralmente é tida como algo que deve ser vivido no recôndito do nosso ser. Não se deve exteriorizar, pensam. Por pouco se falar sobre os transtornos mentais, o suicídio cresce em larga escala. Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) apontam que uma pessoa morre a cada 40 segundos por suicídio no mundo.

O que poderia explicar um índice tão impressionante, com tão pouca divulgação e conscientização social do fato? A antropologia talvez explique. Há milênios, desde que adquirimos consciência, estamos diante dos sofrimentos de origem psíquica; há relatos que já na Grécia e Roma antigas acreditava-se que a melancolia era oriunda, por exemplo, de castigo dos deuses. Quando avançamos pela idade média, vemos São Jerônimo afirmar que “na melancolia banha-se o diabo”. A percepção mais científica dos transtornos mentais só vem se dar de fato em meados do século XX. A questão ainda é recente. Falar dos sentimentos carrega consigo uma percepção de que assim agindo estamos expondo nossas fragilidades e, dessa maneira, seremos julgados pelo outro, como se todos fôssemos bem resolvidos e livres de angústias. A chamada psicofobia, construída através de milênios de má informação ou preconceito, talvez seja a grande vilã da história.

A OMS assevera que o suicídio é uma questão de saúde pública, haja vista dados apontarem que aproximadamente um milhão de pessoas cometem suicídio por ano. Estatísticas indicam ainda que as taxas de suicídio tiveram um aumento de 60% nas últimas quatro décadas. A taxa mundial de suicídio apresenta-se em torno de 16 por 100 mil habitantes e acredita-se que cerca de um milhão de pessoas suicidaram-se no ano 2000, o que representa aproximadamente uma morte a cada quarenta segundos. Estudos ainda projetam mais de um milhão e meio de mortes por suicídio para o ano de 2020.

A filósofa e psicanalista Viviane Mosé faz uma rica e objetiva análise acerca dos tempos atuais e causas para tanto adoecimento psíquico: “vivemos uma exaustão ambiental em consequência de um modo predatório de lidar com os recursos naturais, vivemos uma exaustão econômica, em função das imensas desigualdades sociais, do desemprego. E, por fim, enfrentamos a exaustão humana, ou melhor a exaustão do modelo de ser humano que criamos, vivemos o ódio à vida, em forma de depressão, suicídio, terrorismo, feminicídio, racismo.”

São várias as causas para o suicídio, mas nenhuma é tão importante como a depressão. Sintomas como tristeza quase que constante, falta de energia/ânimo, diminuição ou perda de prazer em coisas que antes eram prazerosas, mudanças no sono (insônia ou sono excessivo), mudanças no peso ou apetite, sentimentos de culpa ou remorso, irritabilidade, dificuldade de raciocínio, pessimismo, desesperança e pensamentos de morte são sintomas comuns ao paciente portador de depressão sejam em maiores ou menores graus. É a partir daí que alguém passa a não ver saída para a sua dor emocional, citada no início do texto, e considera, por estar com sua mente adoecida, que o que lhe resta é deixar de existir. Ledo engano. O suicida não quer se matar, ele apenas quer acabar com a sua dor, mas perdido nos seus pensamentos, com seu livre arbítrio bastante prejudicado, sua mente entende que apenas morrendo a sua dor deixará de existir.

Diversos órgãos com função social, como a Associação Brasileira de Psiquiatria, Centro de Valorização à Vida, Conselho Federal de Psicologia e tantos outros apresentam à sociedade a importância de se falar cada vez mais sobre o tema. Acredita-se que ao expor o assunto, ao dedicar o mês de setembro como o mês de prevenção ao suicídio, permite-se uma diminuição do peso histórico da questão, lança-se um olhar de compaixão ao outro e consequentemente abrem-se possibilidades para aquele que pensa em suicídio poder entender que a sua dor tem solução desde que busque ajuda especializada de um médico psiquiatra e/ou um psicólogo.

Quando estiver diante de alguém depressivo ou até mesmo com pensamentos de morte, o melhor a fazer é ouvir sem julgamentos, acolher a sua dor através de uma escuta empática, ou seja, saber colocar-se no lugar do outro, evitar ao máximo frases como: “isso não é nada”, “pense positivo”, “seja forte”, “você tem tudo e ainda está sofrendo?”, “isso é falta de fé ou de Deus”. Alguém que pensa em morrer está muito doente e o fato de o adoecimento ser mental não diminui a gravidade ou a importância: é uma doença que como outra qualquer merece ser cuidada e devidamente tratada.

Autor

César Santiago

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