Quem tem medo da democratização da família?

A concepção de família tem sofrido variações e transformações múltiplas. Já se disse mesmo que a história da família não é senão “uma imensa e incessante liberação”. Na anterior, o predomínio do núcleo sobre os componentes: poder do pai sobre os filhos, sobre a mulher e agregados. A família antiga era uma unidade econômica, política e religiosa. Hoje, delineia-se um novo tipo de família e consequentemente um novo direito de família.

A organização jurídica da família nunca mudou tanto, em tão pouco tempo, especialmente a partir das últimas quatro décadas. A Constituição Brasileira de 1988 muito avançou nesta área, determinando novos contornos para a família, implantando a igualdade entre os cônjuges.

E em decorrência do princípio da isonomia, perdem sentido, na família, todas as normas diferenciadoras entre o homem e a mulher que concediam ao varão a chefia, a administração dos bens e a representação legal da família. Mas, de outro lado, assume a mulher novas responsabilidades: de dividir com o marido os encargos da manutenção do lar e de participar efetivamente das decisões familiares.

Quanto aos filhos, a tônica da Constituição/88 é a mais completa igualdade. A Lei Maior não tem preferidos, não elegeu filhos prediletos e nem filhos preteridos, pelo contrário, amaldiçoou em definitivo as denominações discriminatórias relacionadas com os vínculos de filiação. Todos os filhos são iguais, com os mesmos direitos: biológicos ou não, nascidos ou não de pais civilmente casados, ou os adotivos.

Outro traço marcante do direito de família contemporâneo, assentado na CF/88, é o reconhecimento da pluralidade de entidades familiares. Além do casamento, a família monoparental, constituída por qualquer um dos pais e seus filhos, e a união estável merecem proteção da lei. Deixou a nossa Lei Maior de dizer que a família merecedora de proteção – família legítima – era, apenas, a constituída pelo casamento. E pela jurisprudência, essas famílias podem ser homoafetivas.

Assim, a família fundada no companherismo transforma-se em instrumento para a realização de dignidade do ser humano, com o direito aos alimentos e a sucessão entre casados ou companheiros, bem como a partilha dos bens amealhados na constância da união estável, presumidos fruto do trabalho e colaboração comum, tanto em famílias heterossexuais, como homossexuais.

O certo é que se assiste no direito de família a uma repersonalização: importância dos componentes e não só do núcleo como ocorria na família patriarcal. A Constituição de 1988 estabelece o dever do Estado de “assegurar assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram”.

Ao lado disso, constata-se a valorização da afetividade como elemento aglutinador. As pessoas devem aproximar-se pela afeição e continuar juntos pela afeição. O próprio instituto do divórcio resultou simplificado pela última constituição brasileira, especialmente após a EC 66, podendo ser feito o divórcio direto, sem necessidade de separação prévia… Isso porque a afeição é o que une o casal. Acabada esta, a lei deve facilitar a solução dos conflitos conjugais e não cabe mais discutir a culpa para decretação do divórcio.

Muitos dizem que a família está em crise. Será mesmo “crise” da família? Ou existe menos hipocrisia porque a família hierarquizada cede lugar a laços familiares fundados na afeição e não no medo?

O que se verifica no direito de família contemporâneo é a suspensão de algumas travas, perdendo importância os preconceitos que cedem lugar a uma família que prioriza a pessoa e o pleno desenvolvimento das capacidades e potencialidades de cada um de seus componentes.

Quem tem medo de democratização da família?

Autor

Adélia Moreira Pessoa

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