O patrono dos conjurados
Amanhã, 21 de abril, celebra-se o aniversário de morte do alferes Joaquim José da Silva Xavier, Tiradentes, herói máximo da República, o único brasileiro a gozar do merecimento de um feriado nacional em sua homenagem. São exatos 230 anos do seu enforcamento e esquartejamento.
O crime de que foi acusado é conhecido: liderou a Inconfidência Mineira, movimento que incorporava algumas ideias iluministas, que viriam a ensejar as revoluções na França e nos Estados Unidos. Dito tipo de rebeldia era punido pelas Ordenações Filipinas, a legislação então vigorante, com as mais pesadas punições.
A execução desse líder é, certamente, a ordem condenatória mais conhecida da história do país. Contudo, no âmbito das coisas pouco sabidas sobre o caso, está o fato de que a acusação feita contra os inconfidentes pôde contar com defesa, a cargo de José de Oliveira Fagundes, um nome quase esquecido.
Fagundes era formado em Coimbra, tanto em leis quanto em matemática. Ele não compunha a elite dos advogados da capital da colônia, tanto assim que sua licença de atuação era limitada às instâncias inferiores do Tribunal da Relação do Rio de Janeiro. Entretanto, nenhum outro profissional aceitou defender os participantes da conspiração que pretendia destacar parte do território colonial e fundar uma república independente de Portugal.
Em 31 de outubro de 1791, ele compareceu ao tribunal e jurou observar o seu dever. Teve acesso ao conteúdo do processo dois dias depois. Eram autos de milhares de páginas. A devassa, que havia prendido os insurgentes em 1789, produziu incontáveis depoimentos, confissões e delações. Havia material apreendido. Era muita coisa a ser estudada. Ao causídico cumpria elaborar a defesa de 29 acusados em apenas 22 dias. Apesar da exiguidade do prazo e do volume de defendidos, ele entregou em tempo a sua manifestação.
Sua estratégia era objetiva. Ele não tentou negar os fatos decorrentes dos depoimentos dos réus que, além de delatados por traidores (como Joaquim Silvério dos Reis), trocavam acusações reciprocamente. Ele preferiu outro caminho. O levante foi admitido, mas como uma fanfarrice, como algo que não poderia ser considerado seriamente. Os seus constituintes eram inofensivos, meros falastrões, incapazes de colocar em risco o reino. O crime de que eram acusados era uma suposição inviável, impossível, enfim.
Tiradentes, réu confesso, nessa defesa era descrito como absurdamente doido. A medida própria para ele e para os demais seria a absolvição. Todos os defendidos pediam perdão à rainha D. Maria. Fagundes apostava que ela renovaria uma medida que já fora executada antes, quando a soberana cumpriu os desejos deixados no testamento do seu pai, o rei D. José, que lhe orientara a libertar os presos daquela época.
No entanto, a decisão que sobreveio foi condenatória. A sentença, de 18 de abril, unia a todos réus com penas severas e onze seriam enforcados. A execução seria imediata.
Lida a decisão, Fagundes não esmoreceu. Instantaneamente, postulou o direito de recorrer. Deram-no apenas 24 horas. Nesse escasso intervalo, ele suplicou a comutação da pena de morte pela de degredo perpétuo. Dizia que os instruídos rebeldes serviriam melhor ao reino se trabalhassem em outras colônias. Mortos eram inúteis. Tiradentes, na petição, ficou como um louco que merecia indulgência e que havia induzido os demais a seguirem-no na insânia.
Em apenas um parágrafo, o pedido foi negado. Fagundes ainda não se deu por derrotado e fez nova peça, desta vez endereçada à própria rainha. Para isso concederam apenas meia hora. Ele apelou para piedade de sua majestade. Esse último pleito foi inviabilizado pelos juízes, que lhe negaram curso.
Ocorreu, porém, que, nesse mesmo instante, quando o desespero tomava conta do recinto onde estavam os condenados, o escrivão avisou que tinha um comunicado a fazer: uma carta de D. Maria comutava penas de morte por degredo, tal como suplicara Fagundes. O texto, entretanto, houvera sido escrito mais de um ano antes, para ser lido apenas quando o trâmite do processo fosse consumado. A única exceção à misericórdia real eram os cabeças da Conjuração Mineira. O confesso Tiradentes, portanto, seria o único enforcado.
Fagundes, depois da execução de Tiradentes, ainda seguiu lutando pelos outros apenados. Em estreitos prazos de um dia, ele peticionou para os seus defendidos. Conseguiu diminuições de penas, locais de degredo menos hostis e benefícios que tais. O patrono, depois desse trabalho, alcançou algum reconhecimento. Um ano depois, a Casa de Misericórdia pagou-lhe os honorários. Dois anos passados, foi eleito vereador. Ganhou, também, permissão de advogar em juízos superiores do Tribunal da Relação.
Essa história é contada no excelente “O Tiradentes”, de Lucas Figueiredo. A iconografia desses momentos de julgamento pode ser localizada em pesquisa no Google. Há vários quadros a respeito. O que ainda é raro de localizar é o reconhecimento do esforço do dr. Fagundes.