O nosso Médico diante das nossas lepras

Na Capela Sistina, no Vaticano, há um afresco de Michelangelo Buonarotti intitulado “A criação de Adão”. Ali, artisticamente, vemos Deus que toca a Sua criatura para dar-lhe a vida. No Evangelho narrado por Marcos (cf. 1,40-45), temos a única cura de um leproso que este Evangelista apresenta. Teologicamente, entrevejo uma relação que parece antecipar o que o artista renascentista italiano representou com pincel e tintas.

“Um leproso chegou perto de Jesus, e de joelhos pediu: ‘Se queres tens o poder de curar-me”. Jesus, cheio de compaixão, estendeu a mão, tocou nele, e disse: ‘Eu quero: fica curado!’” (Mc 1,40-41). O leproso se propôs diante de Jesus. A iniciativa parece vir daquele homem, que, em sua carência, apresenta-se, conscientemente, à cura, conforme a sua enfermidade: “Se queres…”.

Entretanto, existia uma sentença da Lei de Moisés: “Se o homem estiver leproso é impuro […] O homem atingido por este mal andará com as vestes rasgadas, os cabelos em desordem e a barba coberta, gritando: ‘Impuro, impuro’. Durante todo o tempo em que estiver leproso será impuro; e sendo impuro, deve ficar isolado e morar fora do acampamento” (Lv 13,44.45-46). Mas, o que é a lepra da vida espiritual, que é mais enraizada e causa maior mal à vida do homem? É o pecado, que nos exclui da graça divina e expulsa Deus do habitáculo do nosso coração, e cujos efeitos nos desfiguram na dignidade de sermos imagem e semelhança divina, enfeiando-nos. Bem diz Bento XVI: “É possível entrever na lepra um símbolo do pecado, que é a verdadeira impureza do coração, capaz de nos afastar de Deus. Não é de fato a doença física da lepra, como previam as normas antigas, que nos separam d’Ele, mas a culpa, o mal espiritual e moral” (Ângelus de 15.02.2009). Aquele impuro encarna em si mesmo o que Santo Agostinho, na reflexão do que foi a sua alma, a sua vida, diz em suas Confissões: “Tende piedade de mim, Senhor! Vede, não vos escondo as minhas feridas. Vós sois o médico, eu o doente; Vós sois misericordioso, eu miserável” (Confissões X,39).

Diante daquela exposição feita pelo leproso, percebemos que terna é a atitude de Jesus, o Divino Médico, que cura, além de almas, corpos, salvando, integralmente, o homem todo. Jesus é um tipo médico que Se identifica, de sobremaneira, com os Seus pacientes, cujas dores passam a ser incômodo para Aquele que trata a situação; Jesus-Médico que, tocando no doente-impuro, torna-se, de acordo com as prescrições judaicas, impuro. Neste sentido, vemos Deus que, para socorrer a nossa humanidade, desce do Céu para fazer-Se homem; na condição de criatura, ferido. Neste sentido, o Profeta Isaías nos diz no Cântico do Servo Sofredor: “Verdadeiramente ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e as nossas dores levou sobre si” (Is 53,4).

Cristo, como Deus, toca a sua criatura para recriá-la, restituindo-lhe a vida. Daí, Bento XVI corroborar-nos: “Vemos aqui, como que concentrada, toda a história da salvação: aquele gesto de Jesus, que estende a mão e toca o corpo chagado da pessoa que o invoca, manifesta perfeitamente a Vontade de Deus, de curar a sua criatura decaída, restituindo-lhe a vida ‘em abundância’ (Jo 10,10), a vida eterna, repleta, feliz. Cristo é a ‘mão’ de Deus estendida à humanidade, para que a mesma consiga sair das areias movediças da doença e da morte, erguer-se sobre a rocha sólida do amor divino” (Ângelus de 12.02.2018).

Refletindo o brado suplicante do outrora leproso, que também é o nosso pedido de socorro, “Senhor, se queres, podes curar-me”, São Josemaría Escrivá, no seu clássico Caminho, exortar-nos-á: “Que bela oração para que a diga muitas vezes, com a fé do leproso, quando te acontecer o que Deus e tu e eu sabemos! – Não tardarás a sentir a resposta do Mestre: -Quero, sê limpo” (Caminho, 142). Sim, que sejamos limpos, porque esta é a vontade Daquele que nos purificou com o Seu Sangue redentor, esta é a vontade de Deus a nosso respeito: a pureza de vida, refletida também em nossas ações cotidianas, costumeiras.

Autor

Pe. Everson Fonseca

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