No meio do caminho, tinha uma beterraba
Dia desses eu me peguei com fome. Era domingo à tarde, dia de dormir aquele sono com a brisa entrando pela varanda e apenas o som do silêncio como música aos ouvidos. Não tinha tomado café porque acordara tarde. E aí bateu aquela fome que nem comendo pedra a gente se sacia.
Olhei pra dispensa. Creme de leite, biscoitos sem graça, pepino em conserva, macarrão , arroz e outras variedades de mercearia. Nada me atraía, nada me aprazia. Fui à geladeira. Frutas velhas, velhas frutas, carne congelada, batata, tomate, brócolis, beterraba.
– Beterraba? Como assim? Eu comprei beterraba? Quando?
Que engraçado! No dia a dia, a gente faz coisas de modo tão automático que nem se lembra que as fez. Não é desculpa pra nada. É constatação. O fluxo das atividades diárias no torna autômatos.
Quem nunca se pegou fazendo algo que nem tinha consciência? Parece que viramos sonâmbulos anônimos. O seriado “The Walking Dead” deve ter sido baseado nesse modus vivendi louco, 220v, automático que nós faz despertar às 5 da manhã, como se fôssemos o Cortiço de Aluísio Azevedo.
Uma beterraba estava lá, no meio das verduras, comprovando a tese do automatismo do fluxo da existência da modernidade. Rapidamente, peguei aquele tubérculo, descasquei-o, cozinhei no vapor e fiz um delicioso purê. Só de raiva por criar a consciência de não querer mais viver no automático. A beterraba foi minha pílula vermelha da matrix dos meus dias.