No bebedouro do ginásio

O espaço comportava três bebedouros. Um em cada canto, e o terceiro no meio. De onde vinha a água, não sei, nem nunca pensei em perguntar. A curiosidade é de hoje, cinqüenta e sete anos depois de ter encerrado o curso ginasial. A dúvida carrega sua razão de ser. Itabaiana não tinha ainda água encanada. E então, a água, destinada ao consumo dos alunos, vinha de onde? Quem puder responder que o faça. Estou atento, e, aliás, atento e curioso.

O bebedouro era, assim, novidade, e, ademais, dessas de peso. Nada de mais beber água do pote da escola, nem de levar uma moringa na mão. No ginásio, os bebedouros matavam a sede, o jato de água a correr, a sensação gostosa da água bater nas imediações da boca, até de, nela, porta aberta,  se arranjar. Não me recordo, nos quatro anos em que lá passei, ter aberto a torneira e não ter visto a água faltar. E, outra vez: de onde vinha a água dos bebedouros?

A posição dos três bebedouros em um quarteirão, o do lado esquerdo de quem entrava no ginásio, parecia ter sido elaborada para ser usada por estudantes altamente educados, e, mais do que isso, essencialmente formais, que, durante a vida ginasial inteira, não fossem capazes de sair da linha para uma só brincadeira, o que, em se cuidando de bebedouro, se revelava na brincadeira de molhar o colega, coincidisse ali, no momento exato, dois moleques nos cantos e um aluno sério no meio. O diabo vinha e oferecia, de bandeja, aos dois da ponta, a proposta de ligarem o bebedouro, os dois ao mesmo tempo, no que, o estudante, do meio, tomaria um bom e inesperado banho, que, diga-se de passagem, naquela época, sem água encanada na cidade, até era um motivo de festa, se pudesse, evidentemente, usar o sabonete.

Foi o que aconteceu. O diabo soprou e os bebedouros foram ligados. O que tomou o banho, não perdeu tempo. Deu parte na secretaria. Os dois alunos, suspensos. Um, Masseta, que a esta altura era ainda Agdo de Bigodinho. De manhã cedo, no dia seguinte, Masseta chega ao ginásio, fardado, moringa na mão. O diretor, no alto de seu cargo, perguntou-lhe o que vinha fazer. Assistir as aulas, ora. Como não saiu cedo da cama, o pai o acordou. Contou o motivo da suspensão. O pai, então, sentenciou: se o problema é água, leve uma moringa de água para o ginásio. Masseta assim o fez. O diretor, ao ouvir, se segurava para não mordê-lo.

Autor

Vladimir Souza Carvalho

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