Muito de nós dentro da panela

Dia desses eu estava relendo “O Príncipe”, de Maquiavel, relembrando a importância de sempre estarmos em contato com os clássicos, com o que formou (e deveria continuar formando) a cultura intelectual de gerações e gerações. Pena que essas verdadeiras joias estão perdendo lugar para o artificialismo, o imediato, para o culto do pragmatismo. Enfim, não quero me angustiar com essas questões típicas de um professor que se sente como um Sísifo sem pedra e sem montanha (aprofundei o assunto agora). Voltemos ao livro maquiavélico (no bom sentido).

Depois de devorar páginas e páginas em uma leitura ininterrupta, daquelas de dar água na boca, sento o estômago me chamando para uma conversa de pé de orelha. Dizia ele:

– André, bora ali sentar à mesa e comer alguma coisa. Sinto-me em um indelével vazio existencial, mais profundo que o abismo que separa as gerações passadas da atual. Isso é fome, meu caro André! Vá fazer uma comidinha pra nós.

Parei por um instante e pensei:

– Esse órgão deglutidor de alimentos está muito ousado. Onde já se viu falar comigo assim?

Mesmo com a minha indignação prévia e inusitada, dei razão ao meu estomaguinho. O bichinho já estava há horas, de fato, sem receber víveres para manutenção do corpo. Levantei-me, fui à cozinha e marchei numa saga para produzir algo que satisfizesse o estômago e a alma.

Olhei dentro da geladeira e vi algumas coisas que me interessaram. Como não havia muito tempo para cozinhar, resolvi ser mais prático e decidi fazer tiras de frango ao molho de vinho branco com brócolis. Receita fácil, que começa com cebola e alho refogados na manteiga e no azeite, enquanto o brócolis cozinha no vapor do cuscuzeiro até chegar ao ponto de ser mergulhado na frigideira. O frango, marinado em ervas finas, azeite e manteiga, vai pra frigideira quente e solta sabor e música.

Depois de estar ao ponto, junta-se ao alho, à cebola, ao brócolis, ao sonho. Juntos, recebem uma bela dose de vinho branco seco, que exala um perfume maravilhoso pela cozinha. Com a fuga do álcool, hora do creme de leite fresco dar o toque final. Completei o prato com arroz de alho e purê de abóbora com toque de erva doce. Pronto! Estômago, alma e fome estavam todos saciados.

Depois de saborear essa simplicidade deliciosa (eu acredito que o simples é sempre imbatível), eu me peguei no seguinte pensamento:

– Quem era eu! Quando morava com a minha mãe, nem fritar ovo sabia. Tinha tudo à disposição, tudo sempre pronto, a qualquer hora.

Na verdade, dei sorte porque pude observar (e aprender a repetir) tudo que ela fazia e entender que o principal ingrediente que ela usava, inclusive em todas as refeições, era amor. Nunca faltaram afeto e carinho. Nunca faltou cuidado. Desde a banana da terra com açúcar e canela pela manhã, até a moela cozida mais macia que maria-mole, sempre a mesma perfeição. Foi assim que descobri que, quando cozinhamos, colocamos muito de nós dentro da panela. E, às vezes, muitas pessoas não valorizam quem as alimenta. Triste isso.

Autor

André Brito

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