“Minha mulher não trabalha”

Causa espanto esta fala tão repetida. A mulher sempre trabalhou muito, mas grande parte do trabalho realizado por elas é invisível e desvalorizado.

Mesmo apenas no lar, a mulher contribui para a construção do patrimônio do casal, fato juridicamente reconhecido, pioneiramente em Sergipe pelo Des. Artur Deda, antes da Constituição de 1988. Com efeito, o TJSE foi um dos primeiros a reconhecer a contribuição da mulher na formação do patrimônio, possibilitando a partilha dos bens havidos durante a união, decidindo que, mesmo sem contribuição financeira da mulher, os bens onerosamente adquiridos durante a convivência, são comuns, pois existe o esforço e cooperação da mulher, no cuidado dos filhos e da casa. Hoje, isso está evidenciado nas leis.

É preciso lembrar que, dentre os ODS – OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, aprovados em 2015, na ONU, com a presença do Brasil, encontra-se o ODS 5: ALCANÇAR A IGUALDADE DE GÊNERO E EMPODERAR TODAS AS MULHERES E MENINAS, incluindo, dentre suas metas para 2.030, acabar com todas as formas de discriminação das mulheres e garantir a sua participação efetiva e a igualdade de oportunidades. A erradicação de todas as formas de discriminação por motivo de sexo são objetivos prioritários da comunidade internacional.

A igualdade profissional entre os gêneros não deve ser vislumbrada apenas  do ponto de vista formal, mas também de maneira qualitativa e quantitativa. Estudos mostram que os efeitos da relação trabalho e família manifestam-se apenas entre as mulheres e não entre os homens; oferta de trabalho e qualificação determinam o trabalho masculino, enquanto o feminino sofre também o efeito de condicionantes familiares.  Além disso, continuam a receber salários mais baixos que os homens, em muitas ocupações e são maioria nos setores econômicos informais,  nas ocupações precárias mais vulneráveis e respondem pela quase totalidade dos empregos domésticos, persistindo os ranços  dos “guetos ocupacionais”.

Constata-se que o nível educacional feminino está se elevando e, apesar das barreiras, as mulheres vêm conquistando mais espaço no mercado de trabalho e em carreiras mais prestigiadas. E isso vem ocorrendo também nos cursos de direito e na advocacia, em crescimento acelerado da participação feminina. No Quadro da Advocacia Nacional, as mulheres advogadas já superaram o número total de homens advogados, no mês de abril deste ano. E  a nossa luta por equidade muito avançou na atual gestão da OAB, com a aprovação pelo CFOAB de composição paritária de gênero nas chapas para as próximas eleições… Se em Sergipe já temos expressiva participação feminina na gestão da OAB, desde 2016, inclusive maioria no Conselho Seccional e paridade no Conselho Federal, isso não ocorre em todo o Brasil.

Vivemos, entretanto, tempos difíceis frente à pandemia que vem afetando mais as mulheres, inclusive nos altos índices de desemprego que lhes atingiu mais duramente. Até o terceiro trimestre de 2020, 8,5 milhões de mulheres já tinham deixado a força de trabalho, conforme dado divulgado pela PNAD Contínua, do IBGE. Mulheres negras, trabalhadoras informais e mães solo são maioria dentre as desempregadas… Constata-se ainda que muitas mulheres, responsáveis pelo trabalho doméstico e cuidado com os filhos, estão mais oneradas com o aumento das demandas no espaço domiciliar, com a presença das crianças em casa, fechamento de escolas e creches. Assim, além do trabalho em home office, quando é possível, estão elas também ocupadas com o cuidado e a educação de filhos, vários em atividades de aprendizagem telepresencial. A esperança é que os homens tenham aprendido a partilhar as responsabilidades pelas atividades domésticas que, culturalmente, foram impostas às mulheres.

Parafraseando o talentoso advogado Cézar Britto, lembramos que a humanidade testemunhou escolhas, ainda não integralmente vividas, escolhas que quebraram estruturas e inspiraram reações.  Podemos continuar a escolher a justiça  e  a construção da solidariedade para implodir castelos de preconceitos que ainda atingem o trabalho das  mulheres.

Autor

Adélia Moreira Pessoa

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