Linda Brasil e Kitty Lima: corretas no conteúdo, erradas na forma
Anderson Christian
christianjor@gmail.com
Antes de tudo, vale ressaltar que as duas parlamentares, a vereadora de Aracaju Linda Brasil (Psol) e a deputada estadual Kitty Lima (Cidadania) exercem mandatos absolutamente legitimados, seja pelo voto popular, seja pelas causas que tão bem defendem. E é disso que a coluna trata logo no título em relação a ambas: o conteúdo absolutamente correto que seus respectivos mandatos têm como bandeiras principais. No caso de Linda, o combate à transfobia, a violência de gênero, a todos os preconceitos decorrentes da não-aceitação, assim como a luta pelo empoderamento, baseado no respeito alheio e o no orgulho próprio – e mais que merecido – da comunidade LGBTQIA+ não são pautas tangenciais, não! Se tratam de temas centrais que devem, sim, ser debatidos por toda e qualquer sociedade que se considere minimamente civilizada, ora pois! Já no caso de Kitty, a causa animal, o combate à violência, ao abandono, aos maus tratos, tudo isso com a punição severa de quem é indigente, humanamente falado, a ponto de não respeitar todos os seres vivos, também são pautas na ordem do dia em qualquer lugar em que as palavras dignidade, respeito e vida tenham significância real e não apenas semântica. Ou seja: Linda e Kitty estão cobertas de razão quando se avalia o que elas defendem. E a população tem respaldado isso através do voto, né? E mais: as mídias, desde as tradicionais até as internéticas, também não passam incólume sobre as atitudes das duas, como veremos a seguir. Agora, não é por se defender causas justíssimas que se justificam todas e quaisquer atitudes, como também analisaremos adiante. Comecemos por uma votação ocorrida na Câmara de Aracaju do Projeto de Lei de n°07/2021, justamente de autoria de Linda Brasil que, com emendas, incluía a Semana da Visibilidade Trans, sempre na última semana do mês de janeiro, integrando o dia 29 de janeiro no calendário oficial de eventos da cidade de Aracaju. O PL foi rejeitado em primeira votação por oito votos contra, sete a favor e duas abstenções. E comprovando que o mandato da vereadora tem alcance e muito potencial, esse tema específico se tornou destaque em reportagem do portal UOL, o maior do Brasil, intitulada “Pioneirismo e Violência”, à cargo da jornalista Vitória Régia da Silva, da Gênero e Número, em que “vereadoras descrevem os 6 meses iniciais de atuação como as primeiras parlamentares trans de suas cidades”, cenário em que Linda está inclusa. A certa altura da reportagem, a narrativa é focada na parlamentar de Aracaju. “Ela conta que a experiência é desafiadora e sofre com a interrupção de suas ações. Um exemplo, diz, foi o que aconteceu com o projeto que incluiria a Semana da Visibilidade Trans no calendário oficial de Aracaju. Com oito votos contrários, sete a favor e duas abstenções, a matéria foi rejeitada sem discussão no plenário. Alguns parlamentares sequer justificaram o voto. Os que tentaram argumentaram que não existe diferença de tratamento entre as pessoas. Ainda assim, o Brasil lidera o ranking de assassinatos de pessoas trans, e relatório da Antra mostra que, só nos primeiros quatro meses do ano, 56 pessoas trans foram mortas no país. É a transfobia institucional que explica a não aprovação do projeto, avalia Linda Brasil. No mesmo dia em que ele foi rejeitado, cinco outros foram aprovados em plenário por unanimidade, sem necessidade de voto nominal, como aconteceu com o seu. Após tornar pública sua insatisfação com a decisão, ela foi informada que seu mandato poderia ser analisado pelo Conselho de Ética da Câmara. “Por questões moralistas, com base no fundamentalismo religioso, tentam inviabilizar nossas pautas””, finaliza Linda Brasil para o UOL. Veja bem, leitor e leitora: a simples ida à votação, por si, já derruba o argumento de que as pautas de Linda seriam inviabilizadas, certo? Mas tem mais um detalhe: a votação foi deveras apertada. 8 a 7, com 2 abstenções! Olha, para quem considerar que a Câmara aracajuana e seus vereadores se encastelam em pautas conservadoras, vai um aviso claro que a votação mesmo é que aponta, matematicamente falando. O projeto não passou por pouco, mas por muito pouco mesmo! Só que as reações da parlamentar após a derrota foi desproporcional demais. A fala a seguir foi da própria Linda após o resultado da votação. “Percebemos como a transfobia ainda está enraizada nas pessoas. E na não aprovação deste projeto notamos uma ação orquestrada, fruto do fundamentalismo religioso e reacionário”. Percebem aonde a forma errada, lá do título, surge nessa análise? Uma votação apertadíssima sinaliza, na verdade, que o parlamento aracajuano está preparado para esse tipo de debate e que o projeto, regimentalmente, pode – e até mesmo deve – voltar à pauta. Mas ao atacar o parlamento como um todo, falando em “ação orquestrada” mesmo que tenha ficado a apenas um voto de uma situação positiva, uma vez que o empate levaria ao voto de minerva do presidente da Casa, Nitinho Vitale (PSD), Linda se excedeu, sim! Ou seja: acertou no conteúdo, mas errou na forma como tratou uma derrota, frise-se, por apenas um voto! Sem generalizar o comportamento de seus pares, com certeza Linda Brasil pode conseguir o apoio que faltou agora. E isso, ao final e ao cabo, é o que deve interessar à quem votou nela pelas bandeiras por ela defendidas. Simples assim! Já em relação a Kitty Lima, o assunto é até mais simples, mas que carrega também uma falta de traquejo que, em se mantendo no comportamento da parlamentar, prejudicará não apenas a ela, mas também às nobres causas por ela defendidas. A repercussão da atitude de Kitty se deu nas redes sociais e se ampliou até os veículos de comunicação mais tradicionais. É que ela, no final da semana passada, participando de ação policial que investigava maus tratos de animais, se exaltou com a carroceira Jocielma da Silva, de 38 anos, em Simão Dias. E, dedo em riste, cobrou explicações da carroceira sobre um olho doente de uma égua que Jocielma utilizaria para trabalhar, sendo que a proprietária insistia que comprou o animal recentemente, já com o problema de saúde, e que estava tratando bem. Não satisfeita, a deputada seguiu seu tom acusador e vaticinou: “sua vida com animais acabou! Essa égua é minha, entende?”. A causa é justa, claro. Mas a forma como Kitty Lima agiu não encontra justificativa sob nenhuma hipótese. Porque mesmo que a carroceira Jocielma tivesse culpa dos maus tratos observados na égua, o que, posteriormente, ficou claro que não procedia, já que ela havia mesmo comprado recentemente e estava mesmo tratando do animal, não caberia nem a parlamentar e nem a ninguém julgar e punir no ato de apreensão. A Justiça está aí para isso. Dessa forma, mesmo legitimamente empunhando uma bandeira justíssima, a atitude destemperada de Kitty Lima mostrou que a forma como ela agiu está, sim, errada e ponto! Nos dois casos analisados nesta coluna, vale a pena reforçar, o conteúdo que as parlamentares imprimem em seus mandatos está indiscutivelmente correto. Mas é na forma de atuação que ambas devem melhorar. Para o bem delas, de suas bandeiras e da sociedade. Sem mais!