Gonzaguinha – um grito de alerta para o vazio da vida

Nesses poucos dez anos em torno da reflexão da interface entre História e Música, me impressiona a atemporalidade de algumas canções. Elas ressoam e resistem não só ao tempo, mas também a toda espécie de idiossincrasias, falando diretamente para várias gerações. Como um grito, seu eco atinge em cheio nossos anseios e preocupações e apontam caminhos para problemas que já deveriam ter sido superados. Ou os monstros ainda se mexem na cova ou fomos nós que ainda não lutamos o suficiente.

Essa semana, ao sabor de uma cerveja bem gelada, uma canção em especial me tomou de assalto. Absorto a pensar em sua letra, deparei-me com os fantasmas de meus pais e irmãos mais velhos, meus e tantas outras famílias brasileiras. Comportamento Geral (1973), penúltima faixa do Lado B do primeiro LP de Gonzaguinha, vai ao encontro da letargia de uma boa parte da sociedade atual ao ambiente de autoritarismo e negacionismo que quer se impor sobre a nação nos últimos anos.

Em plena Ditadura Militar, com quem teve problemas, Gonzaguinha traz na canção versos que servem àquela época e ao nosso tempo, tais como: “Você deve aprender a baixar a cabeça / E dizer sempre: muito obrigado / São palavras que ainda te deixam dizer / Por ser homem bem disciplinado”; ou ainda: “ Deve pois só fazer pelo bem da nação / Tudo aquilo que for ordenado / Pra ganhar um fuscão no juízo final / E diploma de bem-comportado”.

Além disso, Gonzaguinha toca em questões que se agravaram com a pandemia da COVID-19, mas que já existiam há décadas sem soluções num horizonte mais próximo: a falta de poder aquisitivo das classes menos abastadas, a carestia do custo de vida, o desemprego galopante e o patriotismo às avessas. Ao fim e ao cabo, o cantor e compositor ainda faz questão de lembrar: “Você merece!”.

Segundo meu colega e amigo fraterno, o professor doutor Bruno Alvaro, do Departamento de História da UFS, a quem dedico esse texto, às turras com a Ditadura Militar, Gonzaguinha foi detido pelo regime em Aracaju, no dia 4 de outubro de 1977, depois de um show realizado no Auditório do Atheneu, intitulado Moleque Gonzaguinha. Foi o único lugar do país que ele teve que enfrentar esse tipo de constrangimento. Maiores detalhes, em documento da Comissão da Verdade de Sergipe, cuja cópia me foi fornecida por Alvaro.

Natural do Rio de Janeiro, aos 22 dias de setembro de 1945, para além de filho adotivo de Luiz Gonzaga (o Rei do Baião), Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior encontrou seu lugar e o marcou com destaque na Música Popular Brasileira. Exímio compositor e intérprete, morreu aos 45 anos de idade, vítima de um acidente automobilístico, há 30 anos, no dia 29 de abril de 1991. A tragédia aconteceu quando Gonzaguinha voltava de uma apresentação no interior do Paraná.

Apesar da curta existência, Gonzaguinha deixou um legado incrível, com pelo menos 17 discos, emplacando sucessos imortais em todos eles. Dos quais, ressalto alguns deles: Espere por mim morena (1976); Começaria tudo outra vez (1976); Por aí (1977); Diga lá, coração (1978); Questão de fé (1980); Ponto de interrogação (1980); Sangrando (1980); De volta ao começo (1980); Um homem também chora (1983); Lindo lago do amor (1984).

Sem falar em cinco canções que para mim são seu top list.  1) Não Dá Mais Pra Segurar (Explode Coração) – 1978, do LP Gonzaguinha da Vida; que segundo o poeta lagartense Assuero Cardoso, trata-se de uma representação poética e musical de uma promissora relação sexual, seguida de um bom orgasmo. 2) E vamos à luta (1980), que usei como uma das músicas temas de um programa de rádio que apresentei com Renato Araújo e José Usele, pela rádio Juventude FM (Lagarto-SE), entre 2010 e 2013. 3) Grito de alerta (1980), já no clima de redemocratização do Brasil. 4) O que é o que é? (1982), uma ode à vida e à esperança. 5) É (1988), uma de suas últimas grandes canções, da qual destaco o verso; “A gente quer viver pleno direito / A gente quer viver todo respeito / A gente quer viver uma nação / A gente quer é ser um cidadão / A gente quer viver uma nação”.

E talvez com isso, eu não precise dizer mais nada, encerrando essa crônica, assim como Gonzaguinha, ficando com a pureza da resposta das crianças.

Autor

Claudefranklin Monteiro Santos

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