De testemunhas em juízo

Desconfio da testemunha que se antecipa a pergunta e vai logo respondendo o que nem indagado foi. Batizou-a de testemunha industrializada, instruída para dizer alguma coisa, o fazendo na primeira pergunta que lhe é formulada. De uma, me lembro bem. Feito criminal, armazenamento numa casa de relógios trazidos do Paraguai, em cidade interiorana. A apreensão feita, inquérito concluído, denúncia oferecida, o processo caiu na minha vara. Então, à primeira testemunha de defesa ouvida foi indagado se conhecia a casa da acusada. Resposta: conhecia, sim, acrescentando que, na sala da frente, tinha um relógio na parede de marca tal.

Eu, de cara fechada, mas, por dentro, rindo. Fui levando a inquirição devagar, comendo o pirão pelas beiradas, sem pressa. Pergunta aqui, pergunta ali, até que coloquei minha mão no braço esquerdo da testemunha, tapando seu relógio. Então, lhe indaguei qual a marca de seu próprio relógio. A testemunha titubeou, mudou de cor, ficou nos monossílabos, e não respondeu. Constei então do texto o fato. Evidentemente, a resposta era fora do seu roteiro. Não tinha sido treinada para tanto.

Em contraposição, há a testemunha que sabe de tudo e não responde nada. Às vezes, para não se comprometer, ou por outro motivo qualquer.  Ocorreu, comigo, juiz de direito, audiência para ouvida de testemunhas, ação de divórcio litigioso, a mulher acusada de adultério. O distribuidor, que era minha sombra, me confidenciou que a testemunha tal sabia de tudo. Podia apertar a mandioca que o sumo sairia. A testemunha era o motorista que nos conduzia, nos dias de quarta, para dois termos, ou seja, um tempo enorme no seu veículo ao seu lado, a conversa ativa.

Foi a primeira a ser ouvida. Ao sentar, exibia nervosismo. De nada sabia. Nem por ouvir dizer que a ré fosse adultera. Puxei a corda para todo lado. O passarinho não piou. Ninguém teve interesse em inquiri-lo. A testemunha assinou o termo e se retirou. Na viagem seguinte, forcei a barra: porque disse que não sabia nada? Abriu o jogo: quando entrou na sala, me viu todo sisudo, o promotor, também, um silêncio danado. Ficou com medo. E ai calou-se, segurado no não sei. Foi bom para a mulher. De minha parte, não me lembro à direção que a sentença tomou.

Autor

Vladimir Souza Carvalho

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