Das tentações à fé felizarda
Em que consiste a felicidade do homem? Como fazer a vida valer a pena? Diante de tantas possibilidades que se apresentam para que o ser humano responda a si mesmo tais indagações, apenas uma é garantia de sucesso: fazer a vontade de Deus.
Santo Agostinho, em suas Confissões, em diversas passagens, declara-se a Deus e aos seus leitores a certeza de que o querido por Deus é satisfação do homem: “Fizeste-nos para ti e inquieto está nosso coração, enquanto não repousa em ti” (Lib. 1,1.1-2.2). Foi, justamente, por procurar o sentido para a existência fora de Deus que Adão e Eva pecaram. Da desobediência à soberba; da soberba ao medo; do medo à autoacusação; da autoacusação ao castigo de perder a amizade com o Senhor: eis o processo do pecado, desde o momento em que este entrou no mundo; processo que se repete na vida de todos nós quando das nossas más opções.
É inegável a atuação do maligno no mundo, na tentativa de subverter os planos de Deus, que ama e deseja dar a vida a todas as Suas criaturas. Porém, o antigo inimigo já foi derrotado de uma vez para sempre por Aquele que criou o homem para Si e nos salvou com a Sua cruz redentora. De maneira que o diabo somente tem poder sobre nós quando assentimos aos seus planos ilusórios de felicidade, porém, na realidade, de destruição da nossa alma, do nosso ser. Redimidos por Cristo, abraçando a Sua proposta de vida, realiza-se em nós o predito pelo próprio Deus quando das sentenças dirigidas à serpente e à humanidade: “Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar” (Gn 3,15), e, assim, reavemos, de sobremaneira, a nossa comunhão com Deus, ganhando a inimizade de satanás.
Esta peleja persiste história adentro: é inegável, é sensível. Porém, Cristo encarnou-Se e subiu à cruz para estar nesta luta em nosso favor. Enganaram-se, portanto, os parentes de Jesus, achando que, Aquele que é Deus e veio para reconciliar-nos Consigo, estivesse a favor da destruição da nossa relação, outrora abalada, Consigo (cf. Mc 3,20-35). Paradoxalmente, aqueles que desconfiavam de Jesus como aliado do maligno estavam, na realidade, pela disseminação de suas blasfêmias e incredulidade, a serviço de Belzebu, pois não reconheciam nas atitudes libertadoras do Senhor a vontade de Deus: a salvação da humanidade. Nas suas convicções, praticavam um pecado imperdoável contra o Espírito Santo. Com o seu fechamento descarado, viviam a impenitência e se candidatavam à perdição eterna, pois é isto que acontece com quem diz que as obras de Deus são aliadas à perversão satânica (cf. CIC 1864).
Muitos, infelizmente, agem assim. Muitos atribuem ao demônio o que é obra de Deus. Basta ver, por exemplo, como a Igreja é amaldiçoada na boca e nas atitudes de tantos: dizem que creem em Deus, mas demonizam, injuriam e perseguem a Igreja de Cristo, continuadora de Sua obra de redenção. Muitos são os que se fecham à graça e à vida de santidade, apegando-se à exterioridade, ao que é visível e passageiro. Veem o que é secular, o imediato, o que querem, e não mergulham no essencial, no importante, no inconfundível.
Entretanto, se alguns parentes do Senhor agiam no descrédito da ação libertadora de Jesus, resplandece a Virgem Maria e a sua fé no Senhor, seu Deus e Filho. Ela, que sempre fez a vontade de Deus, foi Sua Mãe na ordem natural e “canonizada” por Jesus como Mãe na ordem da fé, pois, como também afirma Santo Agostinho: “Não fez a vontade do Pai a Virgem Maria, que, pela fé creu, pela fé concebeu, foi escolhida para que, dela, viesse-nos a salvação, foi criada por Cristo, primeiro que Cristo fosse feito? Fez, fez certamente a Virgem Maria a vontade do Pai e é mais discípula que mãe de Cristo. Há mais felicidade em ser discípula que mãe de Cristo. Por isso Maria era bendita, porque, antes que O concebesse, carregava o Mestre em seu seio. Maria também é bendita porque escutou e conservou a palavra de Deus. Maria guardava mais Cristo com a sua mente do que O teve na sua carne, no seu ventre” (Sermo 25,7). Maria, voltando constantemente o seu olhar da fé para o invisível, sempre transpunha as tribulações em busca da glória eterna e incomensurável, na esperança da morada celeste (cf. 2Cor 4,17.5,1). Maria feliz, que, com o seu exemplo, indica o caminho da plena realização do homem, e, portanto, da felicidade: a vontade de Deus. Por isso cantou: “A minha alma engrandece o Senhor, e se alegrou o meu espírito em Deus, meu Salvador” (Lc 1,46-47).
Espelhemo-nos em nossa Mãe na ordem do sobrenatural, a Virgem crente. Ela, a “feliz que acreditou”, tal como profetizou Isabel (cf. Lc 1,45), muito nos tem a ensinar, muito nos exemplifica, pois, no esforço de não pecarmos, a graça de Deus virá sempre em nosso auxílio, alegrando-nos quando das dificuldades e incompreensões desta jornada rumo à felicidade plena na Pátria dos bem-aventurados.