Da trajetória da água ao banho
Colocando o ponto no i, tudo tinha um destino certo. A água da cisterna era para beber e cozinhar. A caixa do banheiro recebia a água que os carregadores, em jegues com quatro latas, traziam, o esforço de utilizar a escada para despejar a água na caixa. Esta se destinava ao banho. Ainda era insuficiente, o que motivou papai comprar uma carroça e duas latas para a gente, digo, eu e Bosco, carregar água de um dos poços da Praça da Igreja, justamente o que ficava, à época em frente da casa de dona Caboca.
Predominava um rodízio. Um dia, era Bosco, a ser acordado logo cedo, quando ainda não tinha ninguém na fila. No outro dia, eu. Íamos sozinhos, uma lata debaixo da torneira, a outra, atrás, a simbolizar sinal de fila. A água corria lentamente, a ponto de papai já ter o momento certo de chegar quando a lata, cheia, precisava ser colocada na carroça. Eu, pelo menos, não tinha força para tanto. As duas latas, na carroça, significava o momento do retorno, o empurrar a carroça pela Praça da Igreja, Beco dos Lírios, Rua do Sol, até chegar ao oitão lá de casa, onde novamente papai se fazia presente para retirar as latas e introduzi-las em casa.
Registre-se as moringas, que ficavam em cima de um móvel, cercada de copos, onde íamos buscar a água para matar a sede. Os potes permaneciam cheios em cima de uma cantareira – feita de cimento, com duas ou três entrâncias, onde o pote se equilibrava. Enfim, o porrão, de barro, colocado num ponto onde a água, oriunda da bica, e esta alimentada pela chuva, caía, a fim de não se perder um pingo sequer, de modo que, quando a chuva era forte, a bica não dava conta e a água jorrava para todo lado. Daí o porrão para aproveitar o que não ia para a cisterna.
Esse, mais ou menos, o ambiente em que vivíamos, mesmo com cisterna em casa, antes da água encanada. Com esta, a carroça e as latas foram vendidas, a moringa deixou de fazer parte da paisagem doméstica, substituída pelo filtro de barro, – um sinal de conquista dos novos tempos -, a cantareira, despojada dos potes, foi demolida por falta de serventia, o porrão se tornou desnecessário, e nunca mais ninguém subiu a escada para despejar água na caixa do banheiro. Todos nós ficamos mais felizes e passamos a ter direito a dois banhos por dia. Santa conquista!