Ao cair da tarde

Dia desses eu estava apreciando uma boa dose de água de coco (sou quase um viciado) com algumas gotas de limão (experimente) e me peguei lembrando do sabor dos cocos da casa do meu pai no bairro São Conrado, quando este era apenas um povoado longínquo do Centro da cidade. Viajei no tempo!

Lembrei da casa, rodeada de fruteiras. Meu passatempo preferido era subir na goiabeira, munido de sacola de supermercado, e descer triunfantemente com ela abarrotada de goiabas vermelhas deliciosas. Já descia ansioso pelo suco. Mas preferia mesmo o suco de goiaba branca, cujo pé ficava perto da goiabeira rubra.

De repente, a água de coco tinha sabor de infância: o tempo em que andava descalço e a rua virava campo de futebol, esconderijos e ‘salas’ de bate-papo. Pra dormir, tinha que antes tomar banho ou, em noites de frio, lavar os pés, imundos, que ficavam assim por causa da rua sem pavimentação. Lembro da pedra que usava pra raspar a sujeira que virava histórias de criança a cada ida à casa do meu pai.

Lembrei até da seriema que o Véio Ribeiro (assim meu pai era conhecido) criava num espaço cercado entre as goiabeiras. Uma certa manhã, ela fugiu. A bicha deu trabalho pra ser capturada, corria mais que o vento  batendo no rosto de Hermes ao levar mensagens de Zeus.

Papai também criou um guaxinim. O bichinho queimou os pezinhos na areia quente do meio-dia porque foi atrás do meu irmão. Parecia um cachorrinho carente. Ah, lembrei de Usiros, o gato do mato que nunca emitiu um miado. Era mais educado do que os príncipes ingleses.

Também me veio à tona a minha mangueira. Cada filho tinha uma. A minha produzia dois tipos de mangas. Acredito que duas mangueiras tenham crescido de forma tão simbiótica que se confundiam em uma só. Achava o máximo ver um pé de pimenta-do-reino que ramava mangueira acima. Vivia me gabando pros meus irmãos que somente a minha tinha aquela ramagem, que tornava minha árvore única.

Lembrei também dos pássaros se aninhando ao cair da tarde, no mesmo tempo em que meu pai deixava o rádio ligado no programa de Irandir Santos. As cores do fim do dia, a sinfonia dos passarinhos, o cheiro daquela terra, o fumo do cachimbo do meu Véio, as angélicas impregnando o ambiente de perfume divino, tudo isso num simples gole de água de coco.

Autor

André Brito

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