A terra é redonda

Às vezes, o óbvio é tão óbvio que precisa ser lembrado, ressaltado e propalado. Sim, pois passados mais de 500 anos ainda há quem pense e propague, como verdade, o contrário. Ainda mais admirável, para não dizer assustador, é saber do número dos que acreditam de pés juntos. Entre estes e aqueles que se esforçaram, com conhecimento, para provar que a terra é sim redonda, a sorte de terem se livrado da fogueira no tempo presente. Que queime, então, sobretudo a língua, toda vez que negarem uma obviedade desta.

Cientificamente a Terra tem um formato geoide, mas o certo mesmo é que ela está longe de ser plana, como preconizam alguns “gênios”. Essa crença, no sentido ignorância da palavra, perdurou de forma predominante até meados do século XVII, embora há registros de que a discussão já existisse muito tempo antes, em 350 antes de Cristo, a partir dos trabalhos de Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.), sem falar em Pitágoras (século VI a. C.) e os também gregos, Anaxágoras (500 a.C. – 428 a.C.) e Eratóstenes (276 a. C. – 194 a. C.).

Entre os anos 1519 e 1522, alguns navegadores portugueses, empolgados com o avanço das ciências, como a náutica e os instrumentos deslocamento por mares e oceanos, resolveram por fim ou pelo menos apresentar indícios mais verossimilhantes sobre a esfericidade do planeta Terra. Antes de discorrer sobre o assunto, cabe destacar o papel, por essa mesma época, de Galileu Galilei (1564-1642) e Isaac Newton (1643-1727), à sombra inquisitorial da Igreja Católica, principal promotora e defensora a ideia de que a Terra era plana.

Nesse ínterim, embora envolta em ditos populares, não se pode deixar de destacar a contribuição do navegador italiano, Cristóvão Colombo (1451-1506), que a serviço da Espanha empreendeu uma audaciosa viagem às Índias, derrubando um dos “grandes argumentos” de quem defendia a forma plana da Terra, qual seja a de se afastar demasiadamente das margens litorâneas e cair num grande abismo.

Para o geógrafo, o Prof. Dr. Francisco de Assis Veloso Filho (Universidade Federal do Piauí): “Esses avanços produziram uma ruptura no campo dos conhecimentos geográficos, com a superação da descrição do mundo até então elaborada, cuja referência maior era a Geografia de Ptolomeu, visão que havia persistido por quase quatorze séculos. Iniciou-se a elaboração de uma nova descrição geral da Terra” (2012).

Desse modo, o navegador português Fernão de Magalhães (1480 – 1521) levou adiante um notável e ousado empreendimento náutico para aquela época: realizar uma viagem que contornasse a Terra. Observe bem a expressão “contornasse”. Àquela altura, já se sabia, em Portugal, do feito de Cristóvão Colombo o que deve ter tornado as condições ainda melhores e mais seguras, se é que se podia dizer isto.

Só que ao invés de seguir no sentido África/Índias, Fernão de Magalhães propôs ir em outra direção, sentido América/Índias. O imperador Carlos I (1500 – 1558), rei de Castela, convencido do estratagema e consciente do investimento e possíveis lucros, apoio a ideia e deu ao navegador as condições necessárias. Magalhães, em parceria com o cosmógrafo português Rui Faleiro, montou uma grande operação marítima, composta de cinco caravelas e mais de duzentos homens, partindo do porto de Sanlúcar de Barrameda, no sul da Espanha, no histórico dia 20 de setembro de 1519.

Mas nem tudo foi êxito durante os quase três anos de viagem. A expedição enfrentou de tudo um pouco e ao término, apenas 18 homens sobreviveram. Nem mesmo Magalhães resistiu, morrendo em abril de 1521, nas atuais Filipinas, em confronto com habitantes do local. Apesar do “fracasso”, a viagem foi concluída no dia 6 de setembro de 1522, mudando em definitivo a história do mundo e também as representações geográficas do Planeta Terra.

Esse fato e outros tantos comprovam uma coisa que vire e mexe se repete: é necessário ousar para seguir em frente. Hoje em dia, mais do que ousadia precisamos lidar com a ainda presente ignorância, capaz de tentar reverter o que hoje é óbvio para qualquer criança com menos de sete anos. E nessa pegada, vamos seguindo, de preferência ao som de Chico Buarque em Roda Viva (1968): “Roda mundo, roda-gigante / Rodamoinho, roda pião / O tempo rodou num instante / Nas voltas do meu coração”.

Autor

Claudefranklin Monteiro Santos

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