Trump x Biden: quem ganhou o último debate presidencial antes das eleições nos EUA?
Foi um debate mais civilizado, mas não livre de duros ataques entre os adversários. Donald Trump, que tenta se reeleger como presidente dos Estados Unidos, e seu adversário pelo partido Democrata, Joe Biden, protagonizaram na noite de quinta-feira (22/10) um intenso confronto com troca de acusações pessoais. E desta vez, respeitando as regras do debate, o último antes do pleito, em 3 de novembro.
O evento, realizado em Nashville (Tennessee), foi marcado por acusações mútuas de corrupção.
Trump citou acusações sem provas de que Biden se beneficiou pessoalmente com os negócios de seu filho no exterior. O democrata, por sua vez, criticou a falta de transparência nas declarações de impostos do presidente.
O candidato republicano tentou ainda pintar Biden como o “político típico”, com constantes referências à sua longa carreira e, principalmente, aos seus dois mandatos como vice-presidente de Barack Obama.
“Por que não fez nada em oito anos? (…) Fala muito e não age”, afirmou Trump, em resposta a propostas apresentadas por Biden.
Em reação, o candidato democrata tentou retratar Trump como um presidente que levou o país a uma crise profunda, mas que não assume suas responsabilidades, além de dividir os americanos e de estar desconectado da vida do cidadão comum.
“Não se trata da família dele ou da minha, mas da sua família”, disse Biden olhando para a câmera e falando diretamente para os eleitores de classe média, com os quais tentava se conectar.
“Serei presidente de todos os Estados, nem azul nem vermelho.”
Na opinião de Paul Danahar, editor-chefe da BBC nos Estados Unidos, o debate “foi uma vitória apertada por pontos para o presidente Trump”.
“Ele teve boas linhas de ataque e se beneficiou das baixas expectativas por causa do primeiro debate.”
No entanto, o jornalista especializado em política americana afirma que o mandatário “precisava arrasar seu adversário para conter a campanha de Biden, mas não conseguiu isso”.
O encontro entre os dois candidatos estava cercado de expectativas por causa do caótico debate anterior, o primeiro da série, em 29 de setembro, que acabou se transformando em um confronto confuso e bastante criticado.
Além disso, o segundo debate, que ocorreria em 15 de outubro, acabou cancelado porque Trump contraiu covid-19, e sua campanha recusou um evento virtual entre os candidatos.
A 12 dias da eleição, num momento em que milhões de americanos já exercem seu direito ao voto por correio ou de forma antecipada, o debate desta quinta-feira representava uma oportunidade crucial para que ambos tentassem não apenas levar sua mensagem a uma grande quantidade de eleitores potenciais como também uma diferenciação em relação ao rival.
“Aprendendo a morrer”
O debate teve início com o coronavírus, assunto crucial no país mais afetado pela pandemia no mundo.
Apesar dos 8 milhões de infectados e mais de 220 mil mortos por covid-19, Trump defendeu a gestão de seu governo, afirmando ter alcançado grandes avanços e evitado a morte de 2,2 milhões de pessoas.
“Este é um problema mundial, e eu tenho sido felicitado por líderes de muitos países pelo que conseguimos fazer aqui”, disse o presidente americano.
“Estamos aprendendo a viver com ele”, afirmou Trump, insistindo que a economia e as escolas precisavam reabrir, e que as pessoas estavam perdendo seus empregos em meio a um aumento de suicídios e problemas com drogas.
Nesse ponto, o candidato democrata foi contundente: “Quem é responsável por tantas mortes não pode continuar a ser presidente”.
“Ele disse que estamos aprendendo a viver com ele (o coronavírus). A gente está aprendendo a morrer com ele”, disse Biden.
Ataques pela política de imigração
O tema da imigração foi palco de uma das partes mais duras do debate.
Biden criticou a política de Trump para a área, enfatizando especialmente a controversa medida de separar famílias na fronteira com o México.
Como consequência dessa política, que a Casa Branca acabou revogando após forte pressão social, há atualmente quase 500 crianças migrantes que estão sozinhas no país porque seus pais não foram encontrados por terem sido deportados, segundo ativistas do setor.
“Mais de 500 crianças vieram com seus pais. Eles os separaram na fronteira para desencorajá-los a vir”, disse o candidato democrata. “Isso nos torna motivo de piada e viola todas as noções de quem somos como país.”
Trump se defendeu afirmando que as gigantescas celas de metal dos centros de detenção de imigrantes nos Estados Unidos foram construídas durante o governo Obama, do qual Biden foi vice-presidente.
“Eles colocaram a foto de uma dessas gaiolas horríveis em um jornal e disseram ‘olhe para essas gaiolas, o presidente Trump as construiu. Eles haviam decidido construí-las em 2014. Ele fez isso”, disse Trump.
Apesar de sua retórica anti-imigração e de um aumento nas prisões de imigrantes sem documentos dentro do país, o número de prisões e deportações durante os primeiros quatro anos de Trump permanece abaixo dos primeiros mandatos da dupla Obama-Biden.
Questionado sobre esses números recordes pela moderadora do debate, o ex-vice-presidente reconheceu que ele e Obama cometeram “um erro”.
A sombra de Hunter Biden
Trump já havia adiantado que faria do filho de Biden, Hunter, uma questão central no debate presidencial, e não demorou muito para falar da família do rival e ex-vice-presidente.
O republicano acusou Biden de se beneficiar pessoalmente dos negócios de seu filho na Ucrânia e na China, referindo-se a informações publicadas por alguns meios de comunicação e supostamente com base em dados obtidos de um computador de Hunter.
“Se isso for verdade, então ele é um político corrupto”, disse Trump sobre o candidato democrata.
Biden negou a veracidade dessa informação e afirmou que há 50 ex-agentes de inteligência americana que apontam que essas acusações fazem parte de um plano russo para prejudicar sua candidatura.
Além disso, Biden contra-atacou falando sobre as declarações de imposto de renda de Trump e seus laços comerciais com a China, citando uma investigação do The New York Times que revelou que o presidente quase não pagou impostos em seu país durante anos, mas o fez no país asiático.
Isso obrigou o presidente a perder tempo de debate explicando que pagou milhões de dólares “adiantados” em impostos e garantindo que publicaria sua declaração de imposto de renda no futuro, uma prática comum entre políticos e presidentes do país, mas que Trump não fez até o momento.
“Trump esperava arrancar sangue com seus ataques à família de Biden, criando uma polêmica que minaria as possibilidades de seu adversário, líder das pesquisas, mas tudo indica que esta noite ele não atingiu esse objetivo”, disse Anthony Zurcher, jornalista da BBC especializado em política americana.
As primeiras pesquisas feitas ainda na noite do evento com eleitores que assistiram ao programa sugerem vitória de Biden sobre Trump. O Instituto YouGov, por exemplo, deu ao democrata margem de 19 pontos percentuais.
Na prática, essas pesquisas indicam que o presidente parece não ter conseguido gerar um evento capaz de chacoalhar as estruturas da corrida eleitoral.
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Como é de costume com Trump, durante seus discursos o presidente americano usou vários bordões para falar sobre suas propostas, mas não ofereceu muitos detalhes.
Ele disse, por exemplo, que haverá uma vacina contra o coronavírus em poucas semanas, mas, ao ser questionado sobre o assunto pela moderadora Kristen Welker, da rede televisiva NBC, ele não se aprofundou no assunto.
Trump também se gabou de ser “o presidente que mais fez pelos negros desde Abraham Lincoln (o presidente que aboliu a escravidão)” e de ser “a pessoa menos racista nesta sala”.
“Este ‘Abraham Lincoln’ que temos aqui é um dos presidentes mais racistas que já tivemos na história moderna. Ele joga gasolina em cada um dos incêndios racistas”, respondeu Biden sarcasticamente, lembrando que Trump começou sua primeira campanha presidencial dizendo que livraria os Estados Unidos de “estupradores mexicanos”.
Biden, por sua vez, ofereceu diversos detalhes sobre seus planos de governo, embora suas declarações não tenham o tom bombástico de Trump.
Ele anunciou, por exemplo, que, se chegasse à Casa Branca, enviaria uma lei ao Congresso para criar um programa de concessão de cidadania para 11 milhões de imigrantes indocumentados e que melhoraria o sistema de saúde ao estabelecer uma opção de seguro de saúde público que geraria mais competição e custos mais baixos. Biden também prometeu um salário mínimo de US$ 15 por hora (cerca de R$ 84).
Em comparação com o primeiro debate, este segundo e último encontro entre Trump e Biden foi muito melhor recebido pelo público.
“Foi um debate mais substancial”, disse Laura Trevelyan, repórter e apresentadora da BBC na América do Norte.
Parte desse sucesso é atribuído a uma inovação tecnológica: a adoção de um botão para silenciar os microfones dos participantes nos horários determinados para que cada um tivesse minutos de fala sem interrupções do adversário.
“O botão de silêncio, ou pelo menos a ameaça de seu uso, pareceu funcionar. Durante o segundo debate presidencial os candidatos foram mais contidos”, disse Anthony Zurcher, da BBC na América do Norte.
A moderadora, Kristen Welker, que muitos americanos decretaram como a “clara vencedora” do debate, também ocupou um lugar de destaque para o público.
Até Trump, que critica regularmente a rede de jornalistas (NBC) e a acusou de ser “terrível e injusta”, acabou elogiando Welker.
“Preciso dizer que respeito a maneira com que você está conduzindo isso aqui”, disse o presidente no meio do último encontro cara a cara dessa campanha presidencial.
O público, nas redes sociais, parece concordar com ele.
BBC Brasil