Os russos precisam derrubar Putin

 

Vladimir Putin acha que cerca Kiev, mas é Kiev que o cerca. O carniceiro russo esperava fazer uma blitzkrieg a Ucrânia agredida, mas encontrou uma resistência não menos do que heroica do exército oponente, comandada por um presidente que conta hoje com a aprovação de 94% dos ucranianos. Volodymyr Zelensky se tornou um símbolo de coragem e resiliência para os seus compatriotas e para o mundo. O Ocidente, temeroso de uma guerra prolongada que também lhe seria custosa, ofereceu-lhe uma rota de fuga. Ele recusou-se a abandonar a luta, como Vladimir Putin esperava que fizesse — e, com o seu comportamento inspirador e impressionante capacidade de comunicação nas redes sociais, obrigou os líderes ocidentais a mostrar os dentes para a Rússia, seja na forma de sanções econômicas mais duras do que as previstas, seja por meio de ajuda militar efetiva. Ainda que o rolo compressor russo atinja os seus objetivos militares, já está claro que os ucranianos, entre militares e civis, não se dobrarão aos invasores e estão dispostos a transformar o seu país numa espécie de Afeganistão para os russos. Na Europa, a cifra fornecida por Kiev, de que o seus exército matou 3.500 soldados inimigos em cinco dias de conflito, começa a ser levada a sério, depois de ser considerada mera propaganda. Se a informação for mesmo verdadeira,  é algo assombroso. Será espantoso ainda que seja um terço disso. Para se ter ideia, em 10 anos de guerra, os russos perderam 14,5 mil homens em território afegão. Moscou anunciou hoje que vai desacelerar a ofensiva.

Volodymyr Zelensky é um ex-comediante que foi subestimado no Kremlin e no Ocidente — e só continua a sê-lo pelos idiotas.  Com um simples celular, ele já derrotou Vladimir Putin e a sua máquina de censura e fake news. O carniceiro russo perdeu a batalha de comunicação, como se pode ver pelas manifestações de rua contra a invasão da Ucrânia que ocorrem nos países ocidentais e na própria Rússia. Pelos boicotes esportivos de imensa repercussão. Pelas sanções ocidentais aos canais de notícias falsas patrocinados pelos russos que vinham operando livremente no Ocidente. O mundo livre e moderno constata a diferença entre um Volodymyr Zelinsky, que transmite de lugares públicos de Kiev e sabe se comunicar pelo Twitter (quase 4 milhões de seguidores neste momento) e pelo Instagram (quase 13 milhões de seguidores), e um Vladimir Putin, isolado no cavernoso Kremlin e que faz uso apenas de um TV estatal que lhe é inteiramente submissa, da censura e das fake news. Como disse o jornalista americano Dan Rather no Twitter, “Putin deve estar se mordendo ao ver Zelensky tornar-se um herói mundial, o líder forte e corajoso que se eleva moralmente sobre o pária russo. Isso torna o destino de Zelensky ainda mais precário. E a situação na Ucrânia ainda mais preocupante”.

O ex-agente obscuro da KGB achou que poderia cancelar a Ucrânia como nação, com um discurso montado numa retórica velha da época da Guerra Fria, mas acabou fortalecendo o sentimento nacional ucraniano expresso admiravelmente pelo presidente ex-comediante. Hoje, enquanto a Ucrânia é objeto de solidariedade e ajuda financeira e militar, a Rússia se vê sob um carniceiro que, roído pela vaidade, pela inveja e pela vingança, ameaça não apenas a Ucrânia, mas a humanidade, dizendo que pode lançar mão de armas nucleares, para liquidar um mundo que não reflete a imagem que ele acha ter.

Só há um caminho a seguir para a Rússia. Depois do desmoronamento moral do seu líder e da degradação da imagem do país, da possibilidade de se atolar em outro Afeganistão, mas na Europa, da ruína econômica que se avizinha — o rublo desabou 40%, a taxa de juros foi a 20%, a bolsa de valores não abriu hoje — e, principalmente, do risco de o carniceiro lançar mão de armas atômicas para destruir não somente a Ucrânia, mas a inteira civilização, o que ainda compreende a Rússia, cabe aos próprios russos se livrar de Vladimir Putin. É preciso que eles o derrubem. Zelensky é um líder corajoso e admirável na sua modernidade; Putin é um ditador covarde e perigoso no seu anacronismo. Ele foi longe demais para que a sua palavra possa ser crível em qualquer negociação.

Fonte: O Antagonista