Presidente do Haiti, Jovenel Moïse, é assassinado em Porto Príncipe

 

O presidente do Haiti, Jovenel Moïse, foi assassinado durante a madrugada desta quarta-feira (7), disse o primeiro-ministro interino do país, Claude Joseph, em um comunicado. Um grupo de homens armados teria invadido a residência oficial no bairro de Pelerin, em Porto Príncipe, atirando no presidente e na primeira-dama, Martine, que foi internada.

“Um grupo de indivíduos não identificados, alguns dos quais falavam em espanhol, atacou a residência privada do presidente da República (…) ferindo mortalmente o Chefe de Estado”, diz a nota. “Todas as medidas estão sendo tomadas para garantir a continuidade do Estado e proteger a nação”.

Joseph disse que está no comando do país e pediu calma à população após o ato “desumano e bárbaro”, afirmando que a polícia e o Exército já têm o controle da situação — segundo a Reuters, no entanto, era possível ouvir tiros por toda a capital após o ataque. No início da semana, o presidente havia nomeado um sucessor para o cargo de Joseph, o médico Ariel Henry, que seria o sétimo a ocupá-lo em quatro anos.

O assassinato acentua ainda mais a grave instabilidade política que piorou há seis meses no país, o mais pobre das Américas. A interpretação da oposição é que o mandato de Moïse deveria ter terminado em 7 de fevereiro, exatos cinco anos após seu antecessor, Michel Martelly, deixar o poder. As eleições de 2015 deram a vitória a Moïse no primeiro turno, mas o voto foi anulado por denúncias de fraude.

Após vencer um segundo pleito organizado no ano seguinte por uma margem inferior a 600 mil votos, Moïse tomou finalmente posse em 7 de fevereiro de 2017 — a seu ver, portanto, seu mandato só terminaria em fevereiro de 2022. Ele se recusou a deixar o poder há cinco meses, convocando novas eleições para 26 de setembro deste ano.

Reação

Após sua recusa, protestos tomaram as ruas do país demandando a renúncia do presidente, amplamente questionado pelo que muitos caracterizam como um comportamento progressivamente mais autocrático. Criou decretos, por exemplo, classificando certos tipos de manifestação como terrorismo, além de criar uma agência de inteligência que se reporta somente a ele.

Junto com as eleições marcadas para daqui a dois meses, Moïse havia convocado um polêmico referendo constitucional, com o objetivo de aprovar a elaboração de uma nova Constituição — a minuta do novo texto foi redigida por uma Comissão Especial nomeada pelo próprio presidente, sem a participação de nenhum setor importante da sociedade haitiana.

Em meio à confusão política, as autoridades afirmam ter frustrado uma “tentativa de golpe” em meio aos protestos antigoverno de fevereiro, afirmando que Moïse teria sido alvo de um atentado mal sucedido. Na época, 23 pessoas foram presas, entre eles um juiz da maior instância da Justiça hatiana, e a inspetora geral da polícia. A oposição negou qualquer tentativa de golpe, afirmando que pleiteava apenas um governo de transição.

Histórico

O Haiti tem um histórico de turbulência e violência política. Depois de quase 30 anos da ditadura da dinastia Duvalier, entre 1957 e 1986, o país elegeu o ex-padre católico Jean-Bertrand Aristide, que acabou deposto em um golpe militar. Reeleito em 1994 e 2001, ele acabou fugindo do país em 2004, em meio a confrontos entre seus apoiadores e ex-militares do Exército que havia sido desmantelado.

A fuga deu início à intervenção dos capacetes azuis da ONU, sob comando de forças brasileiras. A força de paz, que teve vários formatos, permaneceu no país até 2017.

A violência no país, de acordo com as Nações Unidas, atingiu “níveis sem precedentes”, em meio ao vazio político: na semana passada, em um ataque coordenado, pelo menos 20 pessoas, entre elas importantes figuras da oposição, foram mortas em Porto Príncipe. Agravando ainda mais a situação, o país não vacinou até agora nenhum de seus 11,26 milhões de habitantes contra a covid-19.

O descontrole nas ruas deslocou, desde o início de junho, pelo menos 17 mil pessoas, de acordo com a Organização Internacional das Migrações (OIM), e causou a morte de dezenas de civis.

Um relatório do Unicef (Fundo da ONU para a Infância) publicado há duas semanas estima que existam hoje 95 gangues armadas que controlam grandes territórios da capital, ou cerca de um terço de Porto Príncipe. “Essas gangues estão cada vez mais envolvidas em batalhas armadas pelo controle do território, afetando a vida de cerca de 1,5 milhão de pessoas”, afirma o documento.

Analistas afirmam que as eleições presidenciais e legislativas marcadas para este ano podem ser um fator para o recente aumento na violência. Além disso, a polícia não está equipada para lidar com as gangues, que adquiriram armas cada vez mais sofisticadas, parcialmente financiadas por sequestros. O historiador Frantz Voltaire, que mora atualmente no Canadá, compara a situação na capital do país com a de grandes favelas da América Latina, em Lima, na Cidade do México ou no Rio de Janeiro, controladas por traficantes de drogas ou pela milícia.

“Nos últimos diferentes governos, as gangues adquiriram armas de grande calibre, como a AK-47 ou pistolas Glock, que eram raras no país. Se organizaram através de sequestros ou cobrando taxas da população, e agora reivindicam parte do poder”, afirma Voltaire, do Centro Internacional de Documentação e Informação do Caribe Haitiano e Afro-canadense (CIDIHCA). “Por sua geografia. uma península, as gangues controlam tanto o sul quanto o norte da capital, com exceção de parte da classe média alta, que vive em locais mais altos e de difícil acesso.”

O chileno Juan Gabriel Valdés, ex-representante da Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti (Minustah), afirma que hoje as gangues agem como “donas da cidade, sem nenhum controle do governo”.

“Enquanto isso, o presidente convoca um plebiscito sem legalidade alguma, para fortalecer o poder presidencial e reduzir o Parlamento a uma só câmara”, diz, alertando que externamente, o abandono é completo. “Há uma total falta de interesse por parte da comunidade internacional. Chegamos a uma situação de indiferença absoluta, parece que o fenômeno não está acontecendo. E o governo não tem nenhum interesse em dialogar com organismos internacionais.”

Fonte: O Globo