Saúde mental das crianças tem sido duramente afetada pela pandemia

Por que as crianças serão vacinadas por último? Será que realmente estava na hora do retorno das crianças à escola ou será que esse retorno já deveria ter ocorrido há mais tempo? Já posso deixar meus pequenos ter contato com os priminhos e/ou os amiguinhos do condomínio?  Foi para esclarecer a essas e outras dúvidas que entrevistamos a pediatra Ana Jovina. Ela reforça que é preciso redobrar os cuidados com as crianças ao sair de casa. Máscara, distanciamento e álcool em gel são fundamentais. Após quase um ano de “confinamento”, os pequenos precisam e devem ter contato com outras pessoas, desde que com adoção dos cuidados necessários. Ana Jovina lembra que embora os estudos mostrem que a covid-19 parece causar quadros menos graves entre as crianças, há sim casos de infecção graves e casos de morte. Até a última quinta-feira, já havia sido registrado em Sergipe 27 mortes de crianças menores de 1 anos e 33 óbitos na faixa etária entre 1 a 19 anos. A entrevistada observa que a saúde mental das crianças está sendo duramente afetada na pandemia e destaca que estudos revelam que o isolamento, a infecção pelo vírus, o contágio ou a morte dos pais devido à doença, a crise econômica e uso prolongado da internet são alguns dos motivos que podem afetar a saúde mental infantil. “Os efeitos são diversos como impacto na qualidade do sono de crianças e adolescentes, modificações de humor, sintomas de estresse pós traumático, depressão ou ansiedade, luto pelos familiares”, diz. Confira a entrevista a seguir:

 

Por Cláudia Lemos

Correio de Sergipe – Desde o início da pandemia, tem sido dito que o Sars-CoV-2, o novo coronavírus, parece  causar menos quadros graves entre as crianças. Porém, é sim possível que crianças desenvolvam quadros graves da covid. O tempo mostrou isso. Quais os riscos aos quais as crianças estão expostas ao contrair covid?

Ana Jovino – Realmente o risco da evolução para doença grave e crítica é menor em crianças do que em adultos, mas existe, principalmente em crianças menores de 1 ano e com doenças de base como diabetes, encefalopatias, pneumopatias, doenças neoplásicas. Mesmo diante do risco menor de formas graves temos o registro de 27 óbitos em menores de 1 ano e de 33 casos de 1 a 19 anos aqui em Sergipe.

CS – Como as crianças são, na maior parte das vezes, assintomáticas, qual o risco que uma criança com covid representa para a família e pessoas próximas?

AJ – No início da pandemia as crianças foram consideradas como super-propagadores do coronavírus, mas isso não ficou demonstrado. Elas participam, sim, da transmissão do Sars-CoV- mas não podem ser consideradas maiores transmissores.

CS – No caso de crianças que já foram diagnosticadas com a covid e ficaram sintomáticas, quais os riscos de uma reinfecção e, em caso de reincidência os sintomas tendem a ser os mesmos, menores ou maiores. O que a ciência já sabe sobre isso?

AJ – A COVID é uma doença muito nova e com muitas questões a serem esclarecidas, como a duração da imunidade, a reativação viral e a reinfecção. As respostas para essas questões estão sendo organizadas ao passo que dados científicos robustos se apresentam. As evidências atuais não revelam que pessoas diagnosticadas com COVID-19, inclusive crianças, estão imunes à reinfecção e nem por quanto tempo estão protegidas. Considerando isso, o uso de máscaras, o distanciamento social, a lavagem das mãos, o isolamento dos casos confirmados são condutas que devem ser mantidas ainda por longo tempo.

CS – Quais os riscos que a covid representa para as crianças. Pais de crianças que já tiveram covid devem proceder como?

AJ – Estudos atuais em menores de 20 anos que tiveram e que sobreviveram à fase aguda da doença estão voltados para comprometimento posterior em órgão ou sistemas. Como esse grupo etário parece adoecer menos e com menor gravidade, a base populacional para esses estudos é menor, os resultados podem demorar. Por isso a orientação é manter o seguimento regular das crianças que já tiveram a doença com seu pediatra.

CS – Crianças, sobretudo as menores, gostam de tocar coisas que estiverem ao seu alcance e quase tudo que pegam vai parar na boca. Como os adultos devem se comportar para evitar a contaminação das crianças pela covid. Existem cuidados especiais a serem adotados com os pequenos?

AJ – A principal forma de transmissão do SARS-CoV-2 é por gotículas respiratórias e aerossóis. Os estudos conduzidos em laboratório demostraram que o vírus pode sobreviver por horas e até dias em superfícies, podendo levar a infecção por contato com superfícies contaminadas. Como crianças tendem mesmo a tocar mais em objetos, levá-los a boca ou levar a mão à boca, o risco dessa forma de transmissão aumenta em crianças pequenas. Os cuidados consistem em evitar levar a crianças para locais com circulação de muitas pessoas, mantê-las no colo ou no carrinho quando houver a real necessidade de sair de casa e lavar com frequência as mãos delas.

CS – Estamos prestes a completar um ano de pandemia no Brasil. É muito tempo de privação para os pequenos. Já é hora do retorno ao parquinho, ao playground do condomínio, ou mesmo já é o momento de reencontrar os priminhos?

AJ – É sim, muito tempo de isolamento para nossas crianças e já está na hora de tirá-los de casa, mas seguindo todos os protocolos de segurança, como o uso de máscara em maiores de dois anos, procurar locais abertos e sem circulação de muitas pessoas, como o playground, parques, praças e praias. Esses locais podem ser cenários para reencontros com amiguinhos e priminhos.

CS – Pais e crianças estão vivenciado o retorno às aulas presenciais. Quais os riscos e qual o comportamento adequado. Dá para frequentar a escola e ter contato com professores e coleguinhas de forma segura?

AJ – Segurança total não existe porque a pandemia está aí com toda força, mas existem formas de minimizar os riscos, com a adoção de protocolos para o retorno mais seguro às aulas por parte das escolas e o respeito a esses protocolos por parte dos pais e das crianças. A segurança dependerá disso.

CS – A senhora avalia que já era o momento de as crianças retornarem às salas de aula? Acha que dava para ter acontecido há mais tempo?

AJ – Dava para ter acontecido há mais tempo. O Brasil demorou a reabrir as escolas. A Noruega adotou o isolamento social logo que registrou os primeiros casos de Covid-19 e reabriu as escolas, de forma gradual, após um mês de isolamento. Na Holanda as escolas ficaram fechadas por menos de 2 meses. No Brasil, após 10 meses de isolamento, ainda se discute reabrir escolas.

CS – Quais tem sido os principais sintomas da covid em crianças. Os pais devem ficar atentos a que no caso da covid e o que fazer no caso de surgimento destes sintomas?

AJ – Febre e tosse são os principais sintomas, mas pode haver diarreia, dor abdominal, lesões na pele, dentre outros sintomas. A COVID-19 na infância é caprichosa e multifacetada. A orientação é procurar orientação médica sempre.

CS – O isolamento social, a exposição a informações de aumento no número de casos e mortes por covid, inclusive a perda de uma pessoa próxima, tem afetado a saúde mental de muitas crianças. O que fazer com as crianças que desenvolveram quadros de ansiedade e outras doenças?

AJ – A saúde mental das crianças está sendo duramente afetada na pandemia. Estudos revelam que o isolamento, a infecção pelo vírus, o contágio ou a morte dos pais devido à doença, a crise econômica e uso prolongado da internet são alguns dos motivos que podem afetar a saúde mental infantil. Os efeitos são diversos como impacto na qualidade do sono de crianças e adolescentes, modificações de humor, sintomas de estresse pós traumático, depressão ou ansiedade, luto pelos familiares.

CS – Como falar sobre o coronavírus com as crianças.

AJ – Com suavidade, de forma lúdica, respeitando o entendimento de cada faixa etária. Importante salientar que criança aprende com o exemplo, então nas basta apenas falar sobre o coronavírus. Os adultos devem ter um comportamento responsável e serem modelos para as crianças. Se os pais não usam máscaras, os filhos repetirão essa prática. Os pais precisam ser exemplos.

CS – A senhora concorda que as crianças sejam as últimas a serem vacinadas?

AJ – As campanhas de vacinação devem priorizar grupos com maior risco de adoecer e grupos com maior risco de desenvolver a doença grave. No que diz respeito a COVID-19, as crianças estão foram desses dois grupos, portanto não dever ser consideradas prioritárias na vacinação.

CS – Que mensagem a senhora pode deixar para pais e crianças nesse momento difícil que todos estamos passando?

AJ – Vamos manter os cuidados com nossas famílias, entender que a pandemia não acabou, que o vírus está circulando e que a possibilidade do adoecimento ainda é enorme, apesar de todos estarmos cansados das restrições. Tenham mais um pouco de paciência!