Quando a alma é de poeta

 

 
 
Joângelo Custódio, repórter AJN1

 

Escrever poesia é uma das atividades mais bonitas e prazerosas que existe. Rico na criatividade de brincar com os sentidos das palavras, o poema nasce no sumo da inquietude, se desenvolve em versos e se alimenta de metáforas e prosopopeias que enfeitam as inspirações durante as noites insones. Mas, para fazer florescer esta arte, é preciso nascer com alma poética para retirar os sentimentos das prateleiras da memória e dar vida a um pedaço pálido e frio de papel, transformando-o em obra prima.

Esta mesma arte, que penetrou na alma de sumidades da poesia mundo afora com obras que singraram os mares da excelência, ainda inspira os poetas contemporâneos, nutrindo-os conforme seus devaneios, alegrias e infortúnios.

Berço de tantos nomes consagrados, Sergipe ainda consegue revelar no garimpo das letras algumas raridades com potencial banhado a ouro. A exemplo do sergipano Aaron Lino: o “poeta maldito” – como ele mesmo se define.

Inquieto, de sangue nazareno, músico, filósofo, escritor, professor de Português, Aaron é uma dessas figuras raras que se aventura a escrever por paixão, com destreza para externar os pensamentos mais surrealistas. No caso dele, os mais obscuros, fatídicos, extraídos de uma infância/adolescência não muito lépida. “A poesia maldita ocultamente fazia parte de mim, desde pequeno. A vontade de reunir num livro tudo que tinha escrito era antiga, antes mesmo de entrar para universidade”, revela.

Aaron Lino se encontrou como poeta numa ocasião especial: Natal de 2006, na casa do consagrado poeta sergipano Santo Souza, conhecido como o ‘Bruxo de Riachuelo’ (município situado na região Leste de Sergipe). Encontro que só foi possível por intermédio de Thiago Souza, neto de Santo Souza e colega/amigo do curso de Letras.

“Santo Souza orientou para eu tornar minha linguagem mais universalizada. Perguntei: como assim?  Ele pegou um poema de sua autoria chamado ‘A Inspiração’ e recitou para mim. É engraçado que ainda hoje eu ouço a voz dele recitar. Depois disso, passei a ver a poesia de forma diferente, ou seja, minha concepção de poesia mudou completamente. Há algo interessante, porque ele é fã de Fernando Pessoa e Drummond; e eu os abandonei imediatamente ligando-me a William Blake e Rimbaud que tinham mais a ver com minha ‘nova’ concepção. Foi aí que decidi me entregar ao mundo obscuro de vez”, conta Aaron.

Ainda no dia da visita, Aaron levou dois poemas de sua autoria para Santo Souza avaliar. De pronto, ao término da leitura, o imortal da Academia Sergipana de Letras sentenciou: “Você tem alma de poeta, o grande influenciador”. Dois dias depois do encontro, Aaron escreveu o poema ‘Eu sou o dedo que apaga’, que abre a terceira parte de seu primeiro livro, numa linguagem mais complexa e insólita. Santo Souza morreu em 2014 aos 95 anos e teve mais de 15 livros publicados. “Um cara fascinante”, define Aaron Lino, ao lembrar com orgulho os momentos em que esteve proseando com o ‘Bruxo’.

Essência da Morte

Em janeiro de 2013, já graduado em Letras Vernáculas, o sonho do rapaz aracajuano de 28 anos chamado Wellington Lino (é o nome de nascimento de Aaron), criado no conjunto Parque dos Faróis, povoado de Nossa Senhora do Socorro, de publicar seu primeiro livro de poesias foi concretizado e intitulado “Essência da Morte”.

Numa leitura superficial, o livro carrega nas costas um tema pesado, nebuloso. Aí é que você se engana. Ao beber da leitura, nas curvas das entrelinhas, as mensagens do autor certamente servirão de alento para alguns e para outros se juntarão na alcova para chorarem suas sinas. Como no poema “A tempestade”, na página 14. “É só uma tempestade. Mas que vai trazer: Dor, tristeza e saudade.”

“A morte no livro fala de experiências de vida e intelectuais das quais eu passei. A morte era muito comum na minha adolescência no sentido de desejo para mim, sempre fui autodestrutivo”, recorda o poeta maldito.

O livro é dividido em três fases da vida do autor: (1) O poeta ingênuo: reflexos; (2) o poeta ingênuo: influxos; (3) o poeta identidade. Segundo ele, os leitores sentirão a diferença da linguagem em cada etapa. “A primeira parte é mais simples; a segunda uma linguagem com certa profundidade.”

O jeito culto, as palavras e sentidos pomposos dos poemas da terceira fase do livro já evidenciam o carimbo de um poeta com as tintas da caneta delineadas em força intelectual, é o que Aaron sabe fazer daí em diante. “É mais complexa. É da terceira parte que digo que a poesia ou a arte é pra poucos. Eu volto aos simbolistas que defenderam essa ideia: Cruz e Souza, o pré-modernista Augusto dos Anjos. A poesia é feita para poucos e defendo isso. Tenho influência do simbolismo, ultrarromantismo, não vou negar que tenho influência dos modernos poetas.”

Em síntese, no livro “Essência da Morte” o leitor vai encontrar vários caminhos e seguirá o itinerário mais bonito. “Vai passar pelos meus momentos de vida e perceber que vou ajudá-los a encontrar caminhos para seguir na vida. Não é um livro totalmente ruim não (risos), que só fala de tragédias, embora seja com elas que aprendemos e conseguimos melhorar nosso caráter”, contextualiza o mais novo poeta.

Força de vontade

Para publicar o livro “Essência da Morte”, Aaron teve que subir uma ladeira de força de vontade, peregrinou um bocado. Ele pediu dinheiro emprestado a vizinhos, se deparou com a inércia de políticos e membros da universidade, e o que ele mais ouviu foi advérbios de negação fustigar seus tímpanos. No entanto, como todo brasileiro batalhador que não tem medo da luta -, a solução foi apertar no bolso. “Ou seria eu quem iria bancar ou somente eu”, desabafa Aaron.

Se o autor não tiver iniciativa e determinação para fazer sua publicação, continua Aaron, é difícil alguém investir em desconhecidos. “Só quando elas (as editoras) notam no autor se vai dar lucro, é que se interessam. Quando o assunto é poesia, há até certa resistência de alguns leitores. Valorizam livros de ciências, porque dizem que vão aprender mais coisas. Podem até aprender, mas poesia é muito mais que ciência, ela vai muito além, cabe ao leitor observar seus pontos de vista. E na poesia há diversos tipos de conhecimento.”

Além de conhecimento, quem escreve poesias carrega na alma a ternura de simplesmente emocionar. E quando emociona, vai além, pode ser sentida na música, até mesmo na mescla das cores das telas do pintor, as quais pedem para ser verbalizadas num grito silencioso que só as retinas e o coração sensíveis conseguem ouvir. Aí, não sobram lápis, nem palhetas e godês, tudo é puramente arte.

 

O poeta Aaron Lino / Foto: Joângelo Custódio