Projetos do arquiteto Paulo Mendes são destaques no Itaú Cultural
Um reservatório elevado construído em Urânia, pequena cidade do interior de São Paulo, retoma a ideia dos chamados castelos d’água. Um grande porto fluvial nas águas do Rio Tietê, entre os municípios paulistas de Lins e Novo Horizonte, interliga as redes rodoviária e ferroviária existentes no curso do rio. O Aquário Municipal de Santos torna-se um pequeno lago urbano permitindo que o ambiente não tenha muro, nem grades. Estes são alguns dos projetos idealizados por Paulo Mendes da Rocha ao longo de sua vida, mas nunca construídos. Eles podem ser vistos de 12 de setembro a 4 de novembro na 41ª exposição da série Ocupação, criada pelo Itaú Cultural para resgatar memórias e registros do acervo de figuras essenciais da arte e da cultura brasileiras.
Com curadoria da equipe Itaú Cultural e Guilherme Wisnik, assistência curatorial de Marina Frúgoli e consultoria de Ana Helena Curti, a Ocupação Paulo Mendes da Rocha se espalha por todo o piso 1 do instituto e comemora os 90 anos de vida do arquiteto e urbanista, a serem completados em 25 de outubro. Em mais de 100 itens, a exposição apresenta referências de sua trajetória, como antigas fotos da família, de projetos e de viagens, desenhos de autorretratos ou arquitetônicos, esboços, maquetes e outros materiais selecionados de seu acervo pessoal.
O foco, no entanto, é a apresentação de informações sobre 11 de seus projetos, grande parte deles não construídos. São prédios, construções e outras propostas de escala urbana, que têm em comum a água, um elemento da natureza que inspira o arquiteto desde pequeno. Embora tenha se radicado na capital paulista ainda na infância, ele nasceu na cidade portuária de Vitória (ES) e cresceu acompanhando os trabalhos do pai, Paulo de Menezes Mendes da Rocha (1887-1967), engenheiro dedicado à área de recursos hídricos e navais.
Já adulto e formado em arquitetura e urbanismo pela FAU Mackenzie, em 1954, ele pertenceu à geração de arquitetos modernistas liderada por João Batista Vilanova Artigas (1915-1985), a quem o Itaú Cultural também dedicou uma Ocupação, em 2015. Assumindo posição de destaque na arquitetura brasileira contemporânea, Paulo Mendes da Rocha é autor de obras icônicas, como o Museu Brasileiro da Escultura, o pórtico na Praça do Patriarca, a reforma da Pinacoteca de São Paulo e, mais recentemente o Sesc 24 de Maio, no centro da capital paulista.
No exterior, criou o Pavilhão do Brasil em Osaka, em 1970, e o Museu dos Coches em Portugal. Em 2006, ganhou o Prêmio Pritzker, uma espécie de Nobel dos arquitetos. Em 2016, conquistou o prêmio Leão de Ouro, na Bienal de Veneza, pelo conjunto da obra e recebeu o Prêmio Imperial do Japão, um dos mais prestigiosos do mundo, cuja premiação acontece em Tóquio e a medalha é entregue pelo príncipe Hitachi.
A mostra e a água
Croquis de dois metros de comprimento, desenhados a lápis, como o Museu de Arte de Vitória, para abrigar a Fundação Natura Krajcberg, idealizado por Mendes da Rocha em homenagem a Frans Krajcberg (1921-2017); maquetes, como a do Cais das Artes – esta, original do próprio arquiteto –, projetos ampliados nas paredes e em grandes mesas no centro do espaço expositivo compõem a mostra, cujo projeto expográfico é assinado por Martin Corullon, da Metro Arquitetos Associados.
Entre os 11 projetos expostos, apenas o do Sesc 24 de Maio foi executado, inaugurado no ano passado. Já o Cais das Artes, está em construção em Vitória (ES). Ele desenhou este projeto em 2006 para um conjunto arquitetônico formado por museu e teatro, que valoriza a paisagem e a história do entorno – uma esplanada aterrada às margens do canal que separa a capital capixaba do município de Vila Velha. Os dois edifícios são suspensos por pilares, e a circulação entre os espaços expositivos do museu se dá por meio de rampas na área externa do prédio, permitindo a vista para o mar, as embarcações e as montanhas da cidade vizinha. Ao redor das duas construções se estende uma ampla praça aberta, onde podem ser apresentados espetáculos cênicos e exposições ao ar livre.
Os demais nove trabalhos nunca foram concretizados. Além do Reservatório Elevado em Urânia, de 1968, Cidade do Tietê, de 1980, o Aquário Municipal de Santos, de 1991, e o Museu de Arte de Vitória, do mesmo ano, a mostra apresenta o Parque da Grota, idealizado em 1974 para a área central de são Paulo, no bairro Bela Vista. Grotas são depressões causadas pelas águas da chuva ou de enchentes de rios em encostas de morros. Naquela região, a grota em torno do Ribeirão do Saracura se encontra ocupada por edifícios deteriorados e com baixo adensamento. O projeto visa explorar a potencialidade única dessa paisagem de topografia acidentada, arborizando as encostas e construindo um bairro habitacional com parques, escolas, comércio local e hotéis. Para os edifícios, adota-se uma torre-tipo de planta circular e com 15 andares, alguns deles livres para recreação.
Outro projeto para São Paulo é a Proposta para a Praça da República, de 2001, que prevê a instalação de uma grande piscina pública no local. Essa “praia urbana” é sustentada por pilares, formando um conjunto construído de 100 metros em planta. Abaixo dela, no nível do chão, há um espaço reservado para as máquinas, um conjunto de rampas que leva ao topo e equipamentos como uma cantina e vestiários, além de um salão de baile para festas populares
Baía de Vitória, projeto de 1993, define uma nova lógica para a ocupação daquela região. Um dos aspectos previstos diz respeito à área de manguezais situada no fundo do canal. Preservado, o espaço pode abrigar fazendas marinhas que estudem e incentivem esse microclima fértil. Por onde se entra para a cidade velha, foram feitos, ao longo do tempo, uma muralha de cais e um aterro, criando uma esplanada que vem sendo paulatinamente destinada a um uso institucional variado e desorganizado. Para contornar essa situação, foram imaginadas engenhosidades espaciais, como torres cristalinas construídas sobre o mar.
A Baía de Montevidéu, no Uruguai, também foi alvo do interesse de Mendes da Rocha, em 1998, já que as comunicações desse município giram em torno da baía, entendendo-a como um entrave a ser superado. O seu projeto inverte a situação: faz a cidade dirigir-se à baía, de modo concêntrico, incorporando essa superfície de água em seu cotidiano. Assim, ela se transforma em uma praça de água e o espaço poderia ser atravessado com a ajuda de uma frota de barcos – meio de transporte leve e de massa que aliviaria o engarrafamento de automóveis nas vias da cidade. Trata-se, portanto, de uma visão um tanto “veneziana” da relação entre o ser humano e a natureza e da ideia de vida no ambiente urbano.
Em 1988, o arquiteto criou um projeto para um concurso internacional que carregava como estímulo a ideia de reinventar aquela que foi a maior biblioteca da Antiguidade, a de Alexandria, no Egito. Procurando absorver a bela paisagem da Península dos Reis, ele planejou para o lugar implantar apenas o acolhimento e a administração da biblioteca no terreno proposto pelo edital, construindo as torres em formato de um cubo e um cilindro. Um túnel passa sob a avenida à beira-mar, ligando as torres a um amplo salão de exposições, situado no subsolo do pórtico de entrada, no terreno original.
Mais da exposição
A curadoria da Ocupação Paulo Mendes da Rocha optou por apresentar, também, projetos e imagens que dialogam com o pensamento dele. Um deles, é o anteprojeto de interligação das bacias do Prata e Amazonas por um canal de transposição Alegre-Aguapeí, feito em 1967 por seu pai. Tem, também, registros dos fotógrafos Augusto Malta e Sebastião Lacerda, de 1922, da construção do Aterro do Flamengo e do desmonte hidráulico dos Morros do Castelo e de Santo Antônio, além de um mapa da Cidade de Veneza, uma de suas inspirações.
Quatro audiovisuais realizados pela equipe do Itaú Cultural com o próprio homenageado falando sobre os seus trabalhos – todos com áudio descrição –, acompanham a apresentação dos projetos. Mais um, destaca as suas principais e mais grandiosas obras construídas, como a Pinacoteca, o Sesc, o Museu dos Coches, o Clube Paulistano, o pavilhão em Osaka ou a Casa Butantã, desenhada e construída por ele quando começou a formar família e onde hoje vive um de seus filhos.
Para conhecer Paulo Mendes da Rocha mais a fundo e em camadas mais pessoais, um sexto vídeo apresenta uma entrevista feita por Luis Ludmer, em parceria com o Museu da Pessoa. De caráter biográfico, ele fala desde os tempos dos seus avós até quando ganhou o Leão de Ouro em Veneza – aqui, em registro feito por sua filha Joana Mendes da Rocha para o filme Tudo é projeto, que ela dirigiu com Patricia Rubano.
Em sinergia
Uma publicação realizada pela produção editorial do Itaú cultural e um hotsite no portal do instituto são outros conteúdos que compõem a Ocupação Paulo Mendes da Rocha. O livro traz um artigo da jornalista Marcella Chartier sobre o arquiteto e um ensaio fotográfico de Tuca Vieira sobre duas obras suas: o Poupatempo Itaquera e o Sesc 24 de Maio. As fotos são acompanhadas de depoimentos de usuários dos locais, assim, são apresentadas por quem as vive. Já no site, serão publicados parte do exposto na mostra e conteúdo exclusivo, como entrevistas gravadas em audiovisual com parceiros de trabalho e pessoas próximas a Mendes da Rocha: o arquiteto Pedro Mendes da Rocha, seu filho; a diretora da Arte3 Ana Helena Curti; a diretora de teatro Bia Lessa, a artista visual Carmela Gross e Guilherme Wisnik.
Além disso, uma programação diversificada foi idealizada para ser realizada durante o período da mostra. No dia da abertura, às 18h30, será exibido Tudo é projeto, o filme dirigido por Patricia e Joana. Na sequência Joana falará sobre o filme e como foi gravar com o pai. Depois dela, o curador Guilherme Wisnik apresentará a exposição. Nos dias 19 de setembro e 1 de novembro, serão realizadas oficinas de maquetes de papel, com Naná Mendes da Rocha, também filha do arquiteto, e Guilherme Tanaka. Nos dias 6 e 27 de outubro Luciana Itikawa e Marta Moreira sairão do Itaú Cultural com o público inscrito para visitar e conhecer as algumas das obras do arquiteto homenageado na cidade.