Hoje é o Dia Mundial do Rock

 

O rock, no Brasil, tem um dia para chamar de seu: 13 de julho. Curioso que a data, batizada de Dia Mundial do Rock seja celebrada apenas por aqui, ao contrário do que sugere o nome. Mais curioso ainda que a escolha da data tenha a ver com um evento beneficente realizado nos anos 1980, o Live Aid 1985 (realizado paralelamente na Inglaterra e nos Estados Unidos), e não alguma efeméride ligada às origens do estilo musical, ao nascimento ou morte de um interprete fundamental ou mesmo ao dia de lançamento de um seminal disco de rock.

Não chega a ser estranho, afinal de contas, o rock no Brasil sempre foi pouco compreendido. De “corpo estranho” na música brasileira durante a década de 1960, passando a música feita por gente “com cara de bandido” nos anos 1970, sucesso comercial nos anos 1980 até a sobrevivência independente nos últimos 15 anos, o rock, tal qual a mitológica fênix, está constantemente morrendo e renascendo. É pedra que não cria limo, sempre rolando, em mutação, talvez por isso a dificuldade em acompanhar suas novidades, bifurcações, subgêneros e idiossincrasias.

Cobra-se do rock brasileiro nos dias de hoje o mesmo sucesso de outrora, cobrança que não se vê com outros estilos que, atualmente, também andam longe das ondas do rádio. Como o jazz, a música sinfônica, a música caipira e tantos outros gêneros musicais distantes das paradas das mais tocadas, o rock não necessita de validação popular pois sua continuidade independe de modismos, autorizações ou apadrinhamentos. O combustível vital do rock ainda é o inconformismo e o sentimento de liberdade. Ou não. O rock pode ser rebelde e revolucionário ou mesmo comportado e careta. Pode ser jovem ou coroa. Sua natureza é ambígua e seu formato, mercurial, se moldando aos novos tempos ou permanecendo como na essência. A contradição faz parte do rock, talvez por isso, renda tantas interpretações.

Para começo de conversa, é bom lembrar que o sucesso do rock feito no Brasil não é exclusividade dos anos 1980, de Raul Seixas, d’Os Mutantes ou mesmo da turma da jovem guarda. As primeiras músicas de rock registradas no país datam do final da década de 1950. Nos primórdios dos anos 1960, o país já tinham em Celly Campello e Sergio Murilo seus primeiros ídolos. Em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro – mas não apenas nelas – pipocavam grupos de surf music (ao estilo dos americanos The Ventures ou dos ingleses The Shadows), conjuntos e intérpretes inspirados em Bill Halley, Elvis Presley, Chuck Berry, Little Richard e tantos outros astros.

E justamente quando o rock parecia uma moda fadada ao esquecimento (não apenas no Brasil, mas no mundo), a explosão da beatlemania deu novo fôlego ao gênero. Por aqui, esse acontecimento coincide com a modernização do país e o surgimento do adolescente como ente social – e consumidor em potencial. Cenário perfeito para a chegada da jovem guarda.

Além de Roberto, Erasmo e Wanderléa, centenas de cantores, cantoras e grupos surgiram pelo Brasil – muitos alinhados à maneira jovenguardiana de fazer rock, outros já antenados com as novas tendências internacionais – como a contracultura e a revolução de costumes. O rock nacional, visto por muitos como ingênuo e alienado em contraposição à música de protesto ou gêneros tipicamente brasileiros, alimentou antagonismos e manchetes. Quem ganhou a disputa, no final das contas, foi a própria música brasileira que, alimentada por hibridismos – caso da Tropicália –, se enriqueceu e ganhou novas possibilidades para os anos vindouros.

O Brasil parecia ter compreendido – ainda que parcialmente – o rock, o que ajudou o sucesso de Raul Seixas, Rita Lee, Novos Baianos e Secos & Molhados – e de toda uma geração de artistas que se deixava inspirar por João Gilberto e Jimi Hendrix, Gonzagão e Beatles, Nelson Cavaquinho e Bob Dylan. Mas no final da década de 1970, o rock brasileiro ou soava domesticado, preso a referências do passado e padrões pop radiofônicos, ou havia se recolhido aos guetos.

Até por isso, os anos 1980, com a redemocratização, pediam uma outra trilha sonora. As novas bandas apareciam de diversos cantos do país armadas de novas influências (como punk rock e heavy metal) e apresentado uma nova maturidade no conteúdo das canções. As gravadoras investiram forte nessa nova geração – Legião, Titãs, Paralamas, Barão e vários outros – e nunca se ouviu tanto rock brasileiro (e se vendeu tantos discos do gênero) quanto no período.

Após uma entressafra, o rock made in Brasil, mais uma vez, se reinventou. Nomes como Raimundos, Chico Science & Nação Zumbi, Pato Fu, Planet Hemp e Sepultura (com uma carreira internacional) chegaram com novos discursos e sonoridades.

A virada para o século 21 testemunhou o último mega hit do rock brasileiro: Anna Julia, canção dos cariocas Los Hermanos.

Nos últimos 15 anos, a crise da indústria fonográfica, com a queda vertiginosa de vendas de CDs, a orientação popular(esca) das rádios e os novos paradigmas impostos – e ainda não totalmente digeridos – pela internet mudaram a cara do consumo de música no Brasil. Nesse contexto, a sobrevivência do rock se dá de maneiras alternativas, geralmente independentes e longe de rádios e programas de auditório. E isso, vale frisar, é a realidade não apenas do rock, mas de qualquer manifestação divergente da moda do momento.

Paradoxalmente, o rock brasileiro atual vive momento de grande criatividade e diversidade. Chegar até o ouvinte permanece como o grande desafio.

O Dia Mundial do Rock pode soar como uma data oportunista ou sem sentido. Mas olhando em perspectiva, diante de cinco décadas de herança musical e comportamental, de contradições e contribuições que ajudam a contar parte importante da história recente do Brasil, como não celebrar o 13 de julho? É só rock’n’roll, mas a gente gosta.

Fonte: Portal Brasil

Mutantes em ação: Arnaldo Baptista, Rita Lee e Sérgio Dias participam do Festival Internacional da Canção em 1968.