Filme ‘Quarto Camarim’ estreia em Aracaju dia 28 de abril

O reencontro, depois de 27 anos, da diretora baiana Camele Queiroz com o seu tio Roniel – hoje com o nome de Luma e, até então, residente da cidade de São Paulo – é a história que guia o filme com abordagem documental e métodos ficcionais Quarto Camarim. Contemplado pelo Rumos Itaú Cultural 2015-2016, é exibido no dia 28 de abril no Cine Vitória, às 17h. Antes de chegar ao país, o longa-metragem havia sido projetado somente em festivais internacionais no Canadá (Vancouver), Venezuela (Ilha de Maragarita) e República Dominicana (Santo Domingo). Além de Camele, Fabricio Ramos também assume a direção.

Após a sessão haverá debate com mediação da professora do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Suyene Correia Santos, e contará com a participação da assistente social, psicóloga e fundadora da UNIDAS – Associação de Travestis Unidas Pela Cidadania, Eliana Chagas Silva, bem como de Jessica Taylor dos Santos, integrante da Casa Janaina Dutra, instituição de suporte às trans vítimas de violência.

A programação faz parte da temporada 2018 do projeto de difusão da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine), e é realizado pelo selo independente Bahiadoc (arte-documento), em parceria com a Multi Planejamento Cultural. O longa já passou por Goiânia (GO), São Luís (MA), Florianópolis (SC), Belém (PA), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), Porto Alegre (RS), João Pessoa (PB), Fortaleza (CE), Belo Horizonte (MG) e ainda irá para Recife (PE), São Paulo (SP) e Brasília (DF) – em datas a definir, totalizando 13 capitais.

O filme

Em Quarto Camarim, o próprio cinema media a relação entre Camele e sua tia Luma, que a diretora conheceu, ainda na infância, como tio Roniel, e que agora é travesti, cabelereira e performer. Nesse reencontro, a diretora questiona se essa busca acontece por razões afetivas ou se limita ao objetivo de fazer um filme. O afeto entre ambas vai se manifestando aos poucos, tensionado pelas conversas sinceras.

Narrativamente, as próprias tensões da relação entre sobrinha e tia constituem a estrutura da obra, tendo em vista que Luma, às vésperas de iniciar as filmagens, desiste de participar do filme para depois aceitar novamente. Por isso, na fase inicial do longa, essas tensões se revelam na forma de lacunas e buscas paralelas da diretora, diante da ausência da tia.

À medida que a narrativa avança, entretanto, assume uma crescente e sutil afetividade que se revela nas opções estéticas de Camele. O filme adquire, então, outros contornos dramáticos e estéticos, pondo em diálogo as representações da memória da diretora sobre o tio com a personalidade de Luma, e encantando-se com a sua performance íntima e seu caráter firme e nômade.

“Luma conta que foi, se não a primeira, uma das primeiras travestis a usar saia nas ruas de Feira de Santana (BA), árida em vários sentidos, geográficos e simbólicos, mas mesmo assim, uma cidade que teve momentos culturais marcantes, especialmente no campo da poesia e do cinema”, fala Camele.

Com isso, a diretora conta que, metaforicamente, viu Luma reunir a resistência e aridez do local com a vivacidade que marca a cidade em que nasceu e cresceu. “Para mim, ela se tornou um exemplo de coragem, que acabou por me inspirar por conta de sua forma de encarar as mudanças e os desafios da vida, mesmo os mais difíceis, sempre com altivez e confiança.”

“Fazer o filme me transformou. Talvez tenha transformado também a Luma, em algum aspecto, eu creio firmemente que sim”, revela Camele, que acredita essa ter sido uma de suas experiências mais marcantes e intensas, principalmente do ponto de vista da relação entre obra e vida. Quarto Camarim é uma obra que mostra um reencontro entre duas sensibilidades, de diferentes gerações e vivências.

“O fato de Luma ser travesti traz à tona dimensões sociais e políticas complexas no campo da sexualidade, das diferenças de classe, dos afetos familiares, do preconceito violento e de questões de gênero”, afirma. “Porém, a abordagem escolhida por mim e por Fabricio Ramos se situa no limite das relações entre estética e política, propõe ao espectador uma experiência cujo sentido e importância ele mesmo deverá procurar.”

“Preferimos não estabelecer de antemão ou julgar a importância que o tema do filme evoca, mas temos consciência de que, por um lado, a força dramática dele reside no fato de Luma ser travesti e ser minha tia, mas por outro, essa força vem também da expressão pessoal de minhas inquietações e das escolhas formais às quais eu recorro para expressá-las, nublando as fronteiras entre a vida e a arte, entre o documentário e a ficção, entre o fato e a memória.”

Sobre o Rumos Itaú Cultural

O Itaú Cultural mantém o programa Rumos desde 1997. Este que é um dos primeiros editais do Brasil para a produção e a difusão de trabalhos de artistas, produtores e pesquisadores brasileiros, já ultrapassou os 52 mil projetos inscritos vindos de todos os estados do país e do exterior. Destes, foram contempladas mais de 1,3 mil propostas nas cinco regiões brasileiras, que receberam o apoio do instituto para o desenvolvimento dos projetos selecionados nas mais diversas áreas de expressão ou de pesquisa.

Os trabalhos resultantes da seleção de todas as edições foram vistos por mais de 6 milhões de pessoas em todo o país. Além disso, mais de mil emissoras de rádio e televisão parceiras divulgaram os trabalhos selecionados.

Nesta edição de 2017-2018, os 12.616 projetos inscritos serão examinados, em uma primeira fase seletiva, por uma comissão composta por 40 avaliadores contratados pelo instituto entre as mais diversas áreas de atuação e regiões do país.

Em seguida, passarão por um profundo processo de avaliação e análise por uma Comissão de Seleção multidisciplinar, formada por 21 profissionais que se inter-relacionam com a cultura brasileira, incluindo gestores da própria instituição.

Sobre a Sessão Abraccine

Criada em 2017, a “Sessão Abraccine” já começa a se consolidar como uma importante ação de difusão audiovisual, promovendo o encontro do público com filmes de circulação restrita ou inéditos, sempre mediada por uma reflexão crítica. “A produção no país continua forte, mas a reflexão cinematográfica, fundamental para a construção de uma identidade brasileira nas telas, vem sofrendo um grande déficit, com filmes entrando e saindo de cartaz sem o devido debate”, diz o presidente da Abraccine, Paulo Henrique Silva. “A Sessão Abraccine vem preencher esse vazio, apresentando um olhar diversificado sobre filmes que, em seus propósitos, são capazes de nos mostrar outros lugares, outros Brasis”, complementa.